O horário de trabalho de 8 horas diárias é uma das mais importantes conquistas da história da humanidade e constitui uma batalha central do movimento dos trabalhadores desde o século XIX. Estarmos confrontados, em 2011, com o aumento do horário de trabalho, nomeadamente da meia hora gratuita diária é, sem dúvida, uma questão de retrocesso civilizacional.
Este aumento, que mais não é que um primeiro passo para a desregulação total da semana de 40 horas (o actual Governo já admitiu adoptar a semana de 48 horas), põe em causa mais de um século de conquistas e direitos e representa um roubo imediato nos salários. Falamos de 110 horas anuais gratuitas por cada trabalhador que, em muitos casos, significariam horas extraordinárias pagas. Sabemos, também, que muitas pessoas, sobretudo os trabalhadores precários, já lidam diariamente com o facto de terem de permanecer uma, duas ou três horas no local de trabalho, para lá do horário normal de trabalho, sem direito a remuneração suplementar. A consequência desta alteração é que esse tipo de situação, que até agora pode ser sancionada por lei e combatida como uma ilegalidade, passará a ser uma prática legitimada.
Para além de ser uma opção que destrói empregos, uma vez que as empresas terão menos necessidade de contratar trabalhadores, não encontra respaldo no argumento avançado pelo Governo da necessidade de cumprimento do défice acordado pela troika, uma vez que os seus efeitos não terão lugar no presente ano. Ou seja, todos os partidos presentes a eleições legislativas no último mês de Junho conheciam a realidade económica do País e devem fazer respeitar o programa eleitoral que apresentaram ao País.
O FERVE analisou os programas eleitorais que os 6 partidos eleitos à Assembleia da República apresentaram aos portugueses e analisar o que diziam sobre o horário de trabalho.
ANÁLISE DOS PROGRAMAS
PARTIDO SOCIAL DEMOCRATA
O programa eleitoral do PSD faz referência ao horário de trabalho no seu capítulo II –“PILAR ECONÓMICO-FINANCEIRO”. Na página 76 é possível ler:
Permitir o estabelecimento de horários de trabalho ajustados às necessidades de laboração das organizações e da melhor gestão do seu capital humano, nomeadamente:
• Banco de horas – introduzir a possibilidade de ser estabelecido por acordo individual ou grupal, sem necessidade de previsão em IRCT; e de funcionar por períodos plurianuais;
• Trabalho suplementar – alinhar com práticas internacionais de países de referência, adequando a compensação às necessidades da empresa e do trabalhador, por uma das seguintes formas (e não como actualmente com dupla compensação): concessão de tempo equivalente (ou majorado) de descanso (com um limite máximo anual) ou férias; por remuneração suplementar.
Como podemos constatar o programa eleitoral do PSD prevê a possibilidade de trabalho suplementar estabelecendo como compensação: o mesmo tempo equivalente de descanso ou férias; remuneração suplementar. A proposta do Orçamento de Estado não respeita, como sabemos, nenhum destes dois compromissos.
CDS- PARTIDO POPULAR
Não consta qualquer referência a alterações no horário de trabalho.
PARTIDO SOCIALISTAO programa eleitoral do Partido Socialista faz uma breve referência ao horário de trabalho no contexto da função pública, pode-se ler na página 49:
Reforçaremos também a contratação colectiva na administração pública, a partir do regime do contrato de trabalho em funções públicas, alargando, designadamente, a cada vez mais serviços e trabalhadores soluções de flexibilidade, adaptabilidade, jornada contínua e teletrabalho na organização e duração do horário de trabalho, permitindo, desde logo, uma gestão mais eficiente da prestação do serviço público aos cidadãos e utentes, bem como a promoção da conciliação da vida pessoal e familiar dos trabalhadores em funções públicas com a sua carreira profissional.
Não há referência ao aumento do horário de trabalho.
CDU - Coligação Democrática Unitária.
O programa eleitoral da CDU É claro quando refere que:
O País precisa de uma política que valorize o direito ao trabalho constitucionalmente garantido e assegure a valorização dos trabalhadores:
- Pelo respeito dos horários de trabalho (diários e semanais) e a progressiva diminuição da sua duração;
BLOCO DE ESQUERDAO programa eleitoral do BE refere, na página 19 que:
A competitividade da economia portuguesa é baixa por mil outras razões: pela dependência de matérias-primas, pelo preço da energia e do crédito, pela deficiente organização do trabalho, e até pela fraca articulação entre horários de trabalho, formação profissional e seu financiamento.
Não consta qualquer referência ao aumento do horário de trabalho.
O FERVE constata que nenhum dos partidos, com assento parlamentar, ao concorrer às eleições legislativas há menos de 6 meses assumiu o compromisso claro e inequívoco de aumentar o horário de trabalho tal como agora é apresentado na proposta de Orçamento de Estado para 2012. O compromisso dos deputados eleitos pelo voto popular é para com o programa que levaram a votos, nesse sentido, o FERVE defende que os deputados da Assembleia da República devem chumbar a proposta de Orçamento de Estado para 2012, sob a pena de quebrarem o seu compromisso eleitoral. Nesse sentido esta análise e apelo será enviada a todos os grupos parlamentares, tornando pública a sua resposta.