PRECARIEDADE LABORAL E DEPRESSÃO – PARTE I
Este tem sido um ano em grande:
- Fui despedida de um emprego que adorava (tinha um contrato renovável de 3 em 3 meses e foi decidido de um dia para o outro que iam extinguir o meu posto na empresa):
- Morreram-me dois animais que estavam comigo há anos;
- Fui operada de urgência, e ainda bem que tinha seguro de saúde, pois pela Caixa o tempo de espera são três anos;
- Fizeram-me uma promessa de emprego no estrangeiro, andei a gastar dinheiro em formação para estar preparada, e 10 dias depois de me enviarem uma proposta de contrato, disseram que afinal o mercado estava muito mau e que não era o melhor momento para contratar mais pessoas…
Enfim… mas como venho falar de precariedade laboral, vou-vos contar o que tem sido o meu percurso “profissional” nos últimos dois meses.
Perante a proposta de emprego que tive na Alemanha, deixei de ir a entrevistas e dediquei-me à formação. Quando de repente me disseram que afinal não havia lugar para mim (curiosamente, no mesmo dia em que voltei da cirurgia), fiquei tão desanimada que pensei em fazer uma pausa. Pensei que talvez devesse apostar em tirar outro curso ou coisa do género.
Eis que me deparei com um anúncio interessante: uma empresa estava urgentemente à procura de um estagiário para ajudar a organizar um seminário. O tempo de estágio seria cerca de mês e meio. Ofereciam o almoço e, no fim, a participação no seminário. Chamemos a esta empresa H.
Apesar de não ser nenhuma recém-licenciada (longe disso), enviei o meu currículo e fui chamada a uma entrevista. Logo na entrevista deram-me a entender que tinha horário de entrada, mas não tinha horário de saída pois o trabalho era muito. Pedi-lhes só para sair a horas na primeira semana, por causa do meu pós-operatório (tinha de ir ao centro de saúde fazer pensos), e depois disso duas vezes por semana, para continuar a ter aulas de línguas (já que tinha começado a aprender Alemão, então ia continuar). Perguntei-lhes em que é que ia consistir o trabalho concretamente, mas não me responderam (já não me lembro o que disseram na altura, mas esquivaram-se à pergunta).
Isto foi numa quinta-feira. Ligaram-me no domingo para começar a trabalhar na segunda. Fiquei toda contente: ia ganhar experiência na área de organização de eventos e ia poder colocar no currículo que tinha ajudado a organizar aquele seminário! Apesar de não ir ganhar dinheiro, comecei o estágio mesmo entusiasmada.
Um parêntesis: gostava, antes de continuar, de esclarecer que se tratava de uma empresa não só de eventos mas também (e principalmente) de gestão de recursos humanos, em que os fundadores vinham da área da psicologia e estavam mais que informados sobre temas como motivação de pessoas, psicologia do trabalho e por aí fora…
Logo no primeiro dia comecei a fazer telemarketing. Fiquei a saber que andavam há meses a fazer telemarketing e ainda não tinham conseguido nenhuma inscrição através daquela via. Também não fazia muito sentido… Quem é que se inscreve num seminário por telefone? Dei logo a minha opinião e perguntaram-me o que se deveria fazer em alternativa… Respondi que tinham de fazer mais força a nível de divulgação (publicidade ou assessoria mediática) e que, caso insistissem mesmo no telemarketing, então teriam de comprar bases de dados mais direccionadas a executivos (nas que nós tínhamos até escolas primárias apareciam). Claro que a ideia ficou em “águas de bacalhau”… Afinal o telemarketing não lhes custava quase nada, só pagavam as chamadas telefónicas, pois eram só estagiários a fazê-lo. As bases de dados, por sua vez, custavam entre 300 a 600€. E quanto à ideia da imprensa, responderam-me que não queriam mais divulgação porque já tinham uma agência de imprensa a trabalhar com eles…
Que raio estava a fazer eu ali? Não tinham visto o meu currículo? Não sabiam que o trabalho com a imprensa era grande parte da minha experiência?
Chocante mesmo foi descobrir, mais tarde, que afinal tinha sido “contratada” porque um dos estagiários ia sair… Já estava farto de os aturar. Friso que ambos os estagiários eram da área dos Recursos Humanos e nos últimos meses só faziam telemarketing das 9 às 19h (depois ficavam até às 20h30 a enviar e-mails e a actualizar as bases de dados).
Das pessoas que trabalhavam nesta empresa, as que estavam envolvidas neste projecto eram as que saíam mais tarde – curiosamente, os estagiários que não ganhavam um “tusto”. As outras limitavam-se a cumprir o seu horário. Rapidamente percebi que naquele lugar (que por acaso até foi recentemente comprado por um grande grupo empresarial) havia um belo poiso para algumas pessoas, enquanto que as outras eram tratadas como lixo.
Eu tinha sido chamada para “ajudar a organizar um seminário”. Não estava a fazer nada disso, só telefonemas. Quando dedicava algum tempo a coisas mais interessantes, como patrocínios, era rapidamente chamada à atenção. Se calhasse de, ao telefone, falar com um cliente que estivesse interessado em patrocinar, tinha de passar o contacto a uma superior hierárquica. Ou seja… nós só fazíamos o trabalho chato.
Como saía às 19h, comecei a ser pressionada para sair mais tarde. Entretanto, a estagiária que tinha sobrado depois do outro se ir embora começou-me a contar histórias escandalosas sobre a forma como era tratada ali. Isto tudo em duas semanas.
Comecei a entrar em stress total, e o pós-operatório começou a “dar para o torto” devido ao meu estado emocional e ao facto de passar horas sentada ao telefone.
Conclusão: expliquei que devido ao meu estado de saúde não podia continuar o estágio… e vim-me embora.
Mas a minha triste história ainda não acabou… Se tiverem paciência, leiam a segunda parte.
PRECARIEDADE LABORAL E DEPRESSÃO – PARTE II
Antes de entrar para a H., eu tinha respondido a um anúncio para Relações Públicas em que se exigia experiência em gestão de websites, em contactos internacionais e em acções de marketing. Pedia-se que o candidato dominasse o Inglês e, preferencialmente, o Alemão. Perfeito para mim, pensei.
Destaco que o anúncio pedia que a pessoa mencionasse o ordenado pretendido, o que eu fiz: pedi 1000€ líquidos (substancialmente menos que no meu antigo emprego).
Enviei o currículo e passadas umas semanas fui chamada para ser entrevistada. A empresa chamava-se T.
Quando lá cheguei, estavam três pessoas à minha espera (que intimidante). Fizeram-me várias perguntas, digamos, “normais” sobre o meu currículo e experiência, até que um deles se sai com esta “pérola”:
- Eu tenho uma pergunta muito fria para lhe fazer… Em quatro anos você trabalhou em cinco empresas diferentes. O problema é seu ou é das empresas?
Eu lá lhe expliquei que isso se devia ao facto de ter, no início da minha carreira, trabalhado como freelancer (quando comecei queria mesmo era trabalhar, queria lá saber se o ordenado era uma m**** e a recibos verdes ou “pela porta do cavalo”). Depois tinha tentado evoluir para uma situação mais estável, mas tinha acabado por ser despedida de uma multinacional.
O gajo deu uma gargalhada e exclamou:
- Afinal os recibos verdes eram mais seguros que o contrato!
Depois, paternalmente, explicou-me que eu era “nova demais” para procurar estabilidade (tenho 24 anos e apeteceu-me perguntar-lhe, a ele que certamente é do “tempo das vacas gordas”, se aos 24 anos ainda morava com os pais… quase que aposto que não). Muito pacientemente, disse-lhe que não procurava um emprego para a vida toda (não sou parva e sei bem que isso não existe, e mesmo que existisse eu não o quereria porque gosto de estar sempre a aprender), mas sim um contrato, com direito a segurança social, que é o mínimo que se pode pedir.
Deixei-lhes uma carta de recomendação da minha antiga empresa e referências a contactar caso eles (mesmo assim) tivessem alguma dúvida sobre a minha idoneidade.
Bem, no final fiquei a pensar naquilo e senti-me mesmo furiosa: «Quer dizer, o tipo acha que eu sou “nova demais para pedir estabilidade”, mas estranha que tenha tido vários empregos diferentes num curto espaço de tempo…????! Em que ficamos?»
Devia ter desconfiado do que viria a seguir, mas não pensei muito nisso – afinal eu tinha deixado claro que não queria trabalhar como freelancer se o trabalho era trabalho dependente…
Passados uns dias ligou-me um tipo a falar Inglês. Achei que seria o responsável do projecto (mais tarde soube que era um dos que me entrevistou a fazer-me um teste). Tive uma conversa com ele em que ele sublinhou que para aquele trabalho era importante o trabalho com a imprensa especializada, e se combinou que na semana seguinte faríamos um teste. A conversa correu bem, pois o meu Inglês é fluente (note-se que durante todo o processo eu estive a dar-lhes provas das capacidades que afirmava ter).
Lá estava eu na semana seguinte, com um portfolio com algum do meu trabalho, que incluía assessoria de imprensa, para que não restassem dúvidas sobre a minha experiência. O teste consistiu em mostrarem-me um dos produtos deles e pedirem-me para conceber uma campanha de marketing para aquilo e para traduzir tudo para Inglês. Deram-me duas horas.
Fiz o teste no tempo estabelecido. E tenho a certeza de que fiz um bom trabalho. Informaram-me então de que no dia seguinte iam fazer o teste a outro candidato, e que na segunda-feira seguinte me ligavam a dizer se tinha ficado ou não.
Bem, passou a segunda, passou a terça, e nada… Telefonei a perguntar o que se passava, mas não consegui falar com nenhum dos responsáveis. A pessoa com quem falei apenas me informou que “tinha havido uma alteração”.
Cheguei a casa e deparei-me com um e-mail “fantástico”, em que me explicavam que tinha surgido uma terceira candidata, “referenciada por uma empresa associada” (ou seja, com o chamado “factor C”), e que tinham tido de repetir os testes. Explicaram-me que continuavam com dúvidas, porque apesar de eu ter mais experiência em comunicação empresarial, a outra candidata falava “alemão, russo e japonês” (duas destas línguas nem vinham mencionadas no anúncio). Conclusão: tinham resolvido marcar uma entrevista confrontacional, com as duas ao mesmo tempo!
Mais uma vez, fiquei parva: estavam a marcar-me uma entrevista frente a frente com outra pessoa? Qual poderia ser a razão para aquilo quando já tinham feito testes às duas candidatas, testes esses que avaliavam competências em comunicação empresarial e em línguas? Pessoalmente tinha-lhes entregue um portfolio, uma carta de recomendação, e inclusivamente dado referências de pessoas para contactar. Qual era a dúvida agora?
Respondi-lhes que agora lhes caberia decidir o que era mais importante para o trabalho em causa: a experiência em comunicação empresarial ou as línguas (Russo e Japonês nem sequer vinham mencionados no vosso anúncio, apenas Inglês e Alemão). Mas frisei no fim do e-mail: “Parto do princípio que se me estão a convocar para mais uma entrevista é porque têm dúvidas que querem esclarecer numa avaliação justa e imparcial.”. E apareci lá.
Curiosamente, a outra candidata, a “Dr.ª Elisabete”, não apareceu. E curiosamente, não houve propriamente uma entrevista. A única coisa que fizeram foi expor-me as condições deles: 850€ por mês a recibo verde, durante três meses. Depois, se as coisas corressem bem, passaria a contrato.
Tinham-me feito ir lá três vezes, inclusivamente para fazer um teste cujos resultados eles iriam certamente aproveitar, para me proporem um ordenado inferior ao que tinha pedido, e com condições que já sabiam que eu não concordava. A minha primeira reacção foi perguntar o porquê dos três meses a recibo verde quando qualquer contrato já prevê o período experimental. O gajo (o mesmo que me tinha dito que eu era muito nova para querer estabilidade) gaguejou, disse que era uma política da casa, que todos os funcionários que trabalhavam ali tinham começado assim, e que não era agora que iam mudar. Perante a atrapalhação dele e uma justificação tão estúpida, deu-me uma imensa vontade de rir (se calhar para não chorar). Passei o resto da reunião com um sorriso de orelha a orelha, a dizer que sim a tudo, que concordava com tudo. Nem me lembrei mais da “Dr.ª Elisabete”. Disseram-me que me ligavam mais logo a dar a resposta.
Depois de tudo isto conclui que a “Dr.ª Elisabete” que falava “alemão, russo e japonês” e que tinha aparecido “referenciada por uma empresa associada” só podia ter sido produto da imaginação destes senhores, que tinham armado um plano altamente maquiavélico (não estou a gozar… é preciso ser sádico para pensar numa coisa destas) para me pressionarem a aceitar condições pura e simplesmente ilegais.
Como não tenho emprego, ainda considerei aceitar. Mas isso ia trazer-me uma série de problemas: ter de abrir actividade como trabalhadora independente (sim, porque quando trabalhei como freelancer tive sempre quem passasse os recibos por mim, ao menos), perder a oportunidade de ir a outras entrevistas… E tudo para quê? Para trabalhar para estes chulos, que nem têm outro nome? Para dar cabo da minha sanidade mental? É que quem faz uma coisa destas nas entrevistas, sabe-se lá o que será capaz de fazer quando tiver a pessoa mesmo a trabalhar lá… Não tenho condições emocionais para andar em esquemas marados.
Para mim era mais que claro que não tinham intenções nenhumas de me fazerem um contrato. Todas as vezes que me puseram a trabalhar como “colaboradora” da empresa com a promessa de um contrato futuro, enganaram-me. Será que eu queria cair noutra?
Resposta: NÃO. Porque apesar de nos últimos meses:
- Ter sido despedida de um emprego que adorava;
- Ter enterrado dois animais que para mim eram como membros da família;
- Ter sido operada, ter gasto imenso dinheiro e ter tido um pós-operatório que ainda hoje dura;
- Me terem feito uma promessa de emprego que depois foi retirada…
Eu:
- Sou inteligente, motivada, flexível e forte;
- Fui a melhor aluna da minha turma;
- Tenho um currículo e um portfolio de que me orgulho;
- Tenho uma família que não me vai deixar morrer à fome;
- E consigo arranjar uma coisinha melhor, nem que ainda demore algum tempo.
Hoje era o primeiro dia de trabalho. Liguei-lhes… e disse que tinha arranjado outro emprego.
Anónima