31 agosto 2007

Testemunho: Tradutora

Ao ler os depoimentos aqui prestados, até me considero uma privilegiada, embora tenha trabalhado a recibos verdes durante 4 anos. Arranjei emprego 1 mês depois de ter acabado o curso, com um único C.V. enviado. Sabia que os tradutores eram, regra geral, contratados em regime de recibos verdes, não me preocupei e, verdade seja dita, o meu salário nem era mau de todo; fui aumentada regularmente até atingir um salário que considero acima da média em Portugal. Tinha direito a férias, subsídio de férias, subsídio de Natal, embora tudo fosse feito segundo a lógica da "batata" já que a minha entidade patronal nem sequer sabia dos pormenores da Lei do Trabalho portuguesa.

Passado algum tempo, as coisas começaram a azedar. Era preciso pedinchar para ter direito à minha imensidão de férias de 20 dias úteis por ano, os subsídios começaram a atrasar-se, até que me fartei, larguei o apartamento que tinha alugado, despedi-me e saí de Portugal, como 90% dos meus amigos já fizeram.

Neste momento, tenho um contrato a termo, relativamente mal pago relativamente à média do país onde me encontro e pouco superior ao meu salário em Portugal, mas finalmente assinei o meu primeiro contrato, não sofro a prepotência dos meus chefes (o que ainda existe muito nos senhores doutores e engenheiros da classe patronal portuguesa), pago as minhas despesas e, mesmo assim, com alguma boa gestão, consigo poupar algum dinheiro no fim do mês. A rotatividade do mercado laboral é muito mais elevada do que em Portugal, onde uma pessoa de 30 anos já é considerada "velha" para mudar de emprego, dada a estagnação do mercado.

A forma como as condições de trabalho e os salários oferecidos mudaram desde a minha entrada no mercado de trabalho é assustadora, assim como a quantidade de pessoas licenciadas que me são próximas que já emigraram para países da UE, cujo mercado lhes dá a oportunidade que merecem. Falta o Sol é verdade, a rede dos (poucos) amigos que ficou em Portugal, a família e muitas outras coisas, mas já não há paciência.

As pessoas são forçadas a aceitar trabalhos qualificados miseravelmente pagos e o sistema já está tão viciado que a Inspecção do Trabalho de pouco ou nada serve. Se calhar, devíamos começar a imitar a mentalidade francesa de paralisar tudo e todos com manifestações, 1.000.000 de trabalhadores a recibos verdes na rua deveria chegar para isso e aí, talvez as coisas mudassem um pouco. Os nossos dirigentes ainda têm a ousadia de falar em trabalhadores portugueses qualificados? Muitos deles estão na Europa, mas não em Portugal!

E que tal um pequeno estudo sobre a taxa de emigração de recém-licenciados nos últimos 5 anos? De certeza que os resultados seriam curiosos...
Anónima

24 agosto 2007

Testemunho: Tradutora

Terminei o meu curso em 1997, Línguas e Literaturas Modernas, variante de Português-Inglês, ramo de Tradução.

Passado um ano dei alta da minha actividade profissional nas Finanças e pedi um caderno de Recibos Verdes, depois de gastar muito dinheiro a enviar o meu CV para todo o lado. Não me recordo se já me tinha inscrito na Segurança Social (SS) ou me inscrevi na mesma altura. Mas recordo-me de que na SS me trataram a "despachar", sem me explicar quase nada.

Comecei então a minha actividade em regime de "free-lance" que é um nome pomposo...

O trabalho era escasso, e se num mês ganhava algum dinheiro, podia passar dois ou três meses sem ganhar nada. Então, como podia pagar a prestação da Segurança Social (cerca de 100€)? Era impossível. A partir de certa altura comecei a dar baixa da actividade nas Finanças e quando havia trabalho reiniciava a actividade profissional.
Então, fiquei a dever várias mensalidades, sempre com a esperança de um dia ganhar dinheiro suficiente para as pagar. Mas esse dia nunca chegou, nunca ganhei o suficiente para pagar todas as minhas despesas.

Há um mês recebi uma carta da SS a dizer que se não pagasse as prestações em atraso, e a respectiva multa, fariam uma cobrança coersiva! Lá fui eu a correr para lá para negociar a dívida com pagamento a prestações, mas a lei não deixa que eu pague prestações de valor inferior a cerca de 100 euros!!! E neste momento estou desempregada!!!!

Este sistema de trabalho por recibos verdes é uma grande injustiça e tem de acabar, antes que ele acabe connosco!"

Um grande abraço e obrigada
Natacha Mota - Porto
Tradutora
33 anos

23 agosto 2007

O FERVE no esquerda.net

Arquitecta anónima denuncia, arqueóloga anónima denuncia, professora anónima denuncia, fisioterapeuta anónimo denuncia, trabalhador das telecomunicações anónimo denuncia, trabalhador dos espectáculos e audiovisual anónimo denuncia, técnica de emprego anónima denuncia...

São muitos e muitas jovens, de todas as áreas laborais e, particularmente do Estado, que denunciam as suas dramáticas e tristes situações de vida vivida a recibo verde. São um número sem paralelo na Europa: mais de 850 mil pessoas.

Mas porque o fazem duma forma anónima?

Que medo é este que percorre de uma forma tão assustadora tantos e tantas jovens na sua maioria qualificadas, que os leva a não acreditarem nas estruturas fiscalizadoras do seu País, nos sindicatos e até muitas vezes nos seus amigos?

Que medo é este que lhes corrompe a alma destemida da juventude e, os coloca muitas vezes no mais vil dos silêncios?

Que medo é este que os faz quase que sentir-se culpados duma situação que lhes é simplesmente imposta?

Penso que esse medo reside e ganha corpo no absoluto estado de necessidade em que se encontram para poder sobreviver, não querendo, como recentemente li num testemunho, ter eternamente "paistrocinios".

Penso que esse medo é explicado pelo confronto com uma realidade cruel que gorou as expectativas de que aplicariam no trabalho os seus conhecimentos, e agora têm de aceitar o "que aparece".

Penso que esse medo é motivado também pela desilusão no Governo que nada faz para acarinhar a geração mais qualificada de sempre, pela revolta porque as inspecções não actuam contra os prevaricadores, pela falta de confiança que têm nos sindicatos, que acham que a sua situação é apenas transitória.

O que faz falta é que esse anonimato se comece a desconstruir, que as denúncias se multipliquem, que as solidariedades se consumem, que as vitórias se alcancem e sirvam para dar ânimo a novos enfrentamentos.

O que faz falta são exemplos como os dos jovens do programa Contra-Informação.

O que faz falta são iniciativas que tragam para a rua o escândalo, o rosto perverso da exploração de modelo novo.

O que faz falta é que mais movimentos surjam, andando pelos seus próprios pés, pensando com a sua cabeça, guiando o seu destino.

O que faz falta é que o País ferva, rompa com a moleza e o conformismo, crie cumplicidades multicores. O exemplo que veio de França contra o CPE demonstra bem como é possível.

Acho que o sinal de partida está dado por movimentos como o FERVE, os PRECÁRIOS INFLEXIVEIS, a ABIC, ou pelo MAY DAY.

E muitos, muitos outros surgirão certamente porque o País ferve e esta geração encontrará os caminhos que não a deixarão ficar "À Rasca".

15 agosto 2007

FERVE participa em debate

O FERVE - Fartos/as d'Estes Recibos Verdes foi convidado pelo jovens do Bloco de Esquerda a participar num debate integrado no Acampamento Nacional dos Jovens do Bloco.

Este acampamento decorre de 17 a 19 de Agosto, em São Gião, na Serra da Estrela e inclui diversos filmes, concertos e workshops.

O FERVE estará presente no debate intitulado "E tu, FERVES?" que decorre no Domingo, dia 19, pelas 15h00.

14 agosto 2007

Testemunho: Arquitecta

Aqui vai mais um exemplo de uso e abuso por parte de um colega arquitecto, bem posicionado na vida.

Respondi a um anúncio, fui a uma entrevista e comecei a trabalhar, numa situação que seria experimental por um mês, quer a nível de remuneração, quer a nível de situação profissional. Aceitei.

Ao fim de 4 meses a trabalhar 42.5 horas por semana, por 500€, sem mais nenhuma regalia (e nem a recibo verde estava), a situação mantinha-se como inicialmente. Ou seja, estava a trabalhar para o "boneco", sem regalias sociais, nem sequer a contar para a reforma.

Cansei, "despedi-me" (daquilo que não era um emprego), dado que é preciso ter um grande estômago para aguentar uma situação assim, em que após cerca de 18 anos a estudar, não temos nenhum valor e continuamos a viver à custa dos pais, porque após pagar transportes e almoço, pouco ou nada me sobrava.

Neste momento, já estou à procura de novo emprego há quase 3 meses e nada. A situação que me resta (ou nos resta, dado que conheço muitos colegas na mesma situação) é ir para o estrangeiro, ou voltar à estaca zero e tirar outro curso ou continuar a sobreviver à custa dos meus pais, porque tudo o que surge é igual ou pior à situação que tive.

Continuo no desemprego (sem subsídio), até quando...

Mais uma arquitecta a viver de “paistrocínios”

Anónima

11 agosto 2007

Testemunho: empresa de telecomunicação

Trabalho para uma empresa de telecomunicações, por via de outra de um grupo económico sólido.

Na empresa que me "contrata" cumpro o que me pedem. Tenho deveres. Será que tenho direitos?

Estamos a meio de Agosto, não sei ainda quanto vou receber os honorários de Julho e não recebi o valor correspondente à minha produção de Junho 2007. Coisa que costuma acontecer nos primeiros dias de cada mês. Tive colegas que aguardaram três meses. Será que um banco também aguarda que eu lhe pague a prestação da casa que, supostamente, é mensal?

Caricato é que até dia quinze de Agosto tenho de pagar à Segurança Social perto de 152 euros referentes ao mês anterior de trabalho. Sim, um daqueles que ainda não recebi. Tenho deveres.

Nem falo do adiar de vida que é trabalhar a recibo verde. Sem férias, sem poder sair de casa dos pais, sem poder estar doente, sem poder ter subsídio de desemprego. O Estado espera que todos os meses eu contribua para a reforma ou insegurança de outros cidadãos, mas não me compensa quando fico "desamparado".

Tudo isto se passa numa empresa com preocupações sociais no acordo. Mas, como sempre, tudo é relativo e o que está escrito não é para cumprir. Viva então a cultura do mérito e a democracia promotora de oportunidades e igualdades.

Tudo isto é triste. Tudo isto existe.

Grato.

Anónimo

08 agosto 2007

Teatro do Oprimido, em Santa Maria da Feira

No dia 10 de Agosto, o FERVE - Fartos/as d'Estes Recibos Verdes promove uma apresentação de Teatro do Oprimido, em Santa Maria da Feira, orientada por José Soeiro.

Todos os interessados em participar deverão comparecer às 17h00, em frente à Câmara Municipal de Santa Maria da Feira, sendo que a apresentação irá ser feita à noite, cerca das 22h30.

Para informações adicionais acerca da metodologia do Teatro do Oprimido, podem enviar uma mensagem de correio electrónico para teatroforum.porto@gmail ou consultar a página
http://www.theatreoftheoppressed.org.

Testemunho: Fisioterapeuta

Aqui este fisioterapeuta, que tirou uma licenciatura, trabalha a recibos verdes e ganha uma miséria, está prestes a aceitar trabalhar no Lidl, a contrato.

Não que isso seja desprestigiante… Mas, porque me oferece, um contrato… E eu prefiro andar a passar coisas na caixa do Lidl, contente porque sei que tenho subsídios e férias, do que estar na minha área onde sei que sou exploradíssimo.

Perante isto, caso não me der bem com o contrato, pondero a hipótese de emigrar para um qualquer país da União Europeia, onde saibam pelo menos pagar normalmente, que dê para comprar ou alugar uma casa qualquer e dê para sobreviver.

Obrigado país de m**** pelo tempo que me fizeste gastar a tirar um curso com todo o amor e gosto pela profissão, para acabar numa clínica onde o patrão quer que tratemos quatro doentes por hora (nem tempo quase para ir ao quarto de banho tenho).

Toda a gente pensa que tenho estatuto e uma óptima vida, ganho bem e saio cedo. Mas não! Esqueçam isso! Conto os trocos ao final do mês!

Só espero que estes recibos verdes acabem de uma vez por todas, antes que cometa alguma asneira e obrigue o meu patrão a engolir os recibos.

Revoltadamente;
Anónimo

07 agosto 2007

Testemunho: peripécias do mundo do enriquecimento curricular

Após ler os testemunhos de professoras de Inglês que partilham a minha profissão, ainda que com fortes motivos para não o fazer, decidi participar no blog e contar a minha história de Falsos Recibos Verdes iniciada logo depois do ano de estágio.

Satisfeita por não ficar desempregada, no ano lectivo de 2005/2006 fui contactada por um Centro de Estudos, contratado pela Câmara Municipal de Santa Maria da Feira, que se encarregava (juntamente com três outros Institutos de Línguas) de contratar os respectivos professores para o Programa de Generalização do Ensino do Inglês no 1º ciclo do Ensino Básico, bem como de lhes atribuir os horários.


Convém frisar que a Câmara Municipal recebeu a quantia de 100€ anuais por aluno, o que, cálculos feitos, equivale a 20€ por cada bloco de 45 minutos por turma. Destes 20€, 5 ficaram na Câmara, 5 no instituto e os restantes 10 são o salário do professor, que manteve sempre um vínculo frágil com a entidade empregadora.


O gerente deste centro de estudos, mesmo sem habilitações literárias, apropriou-se de um horário completo, acumulando 22h semanais, sendo que as professoras efectivas tinham, em média horários semanais de 6h (a situação foi, posteriormente descoberta e o gerente expulso das funções).


Em Novembro de 2005, aquando o despacho nº 14753/2005 da Direcção Geral dos Recursos Humanos da Educação que requeria a cópia do contrato celebrado entre a entidade patronal e o professor para efeitos de contagem de tempo de serviço, o gerente, relutantemente, aceitou o contrato de avença, reclamando para o professor o dever de suportar as despesas de todo o material didáctico envolvido, contrariamente ao que acontecia até esta data. Além disto, devíamos respeitar as planificações impostas, sob pena de vermos o nosso horário ser entregue a um colega.


Até Janeiro de 2006 não tinha sido pago qualquer salário. São então publicados dois artigos no jornal local "Terras da Feira": "Professores de Inglês acusam Câmara de não pagar honorários há três meses" e, cerca de 20 dias depois, "Docentes de inglês reiteram queixas sobre pagamentos". Amadeu Albergaria (vereador do Pelouro da Educação da Câmara supracitada) afirma, em resposta à notícia, que todos os pagamentos estão em dia e, por conseguinte, delega as responsabilidades para os institutos: "(…) trata-se de um problema entre os professores e os institutos de inglês a que estão agregados (…)". Todas as irregularidades levadas a cabo pelos institutos envolvem, como é óbvio, a Câmara Municipal de Sta Mª da Feira, que teve conhecimento de tudo o que se passou e compactuou com o gerente prevaricador.


Com a intenção de se ilibarem das acusações feitas nos artigos de jornal, os quatro institutos sugeriram redigir um documento, em que todos os professores declarassem, sob compromisso de honra, mentirosas as notícias publicadas no referido jornal e que comprovassem que os salários tinham sido pagos. O nosso gerente, sendo o único em falta e uma vez que recusámos a assinar as várias tentativas que fez, através de documentos dúbios que abriam a possibilidade para a adulteração por não estarem trancados os espaços em branco e não haverem quaisquer sinais de pontuação, optou por entregar na câmara um documento que continha falsificações das assinaturas de todas as professoras, afirmando-se neste que tínhamos recebido a totalidade dos meses em atraso.

Foi enviado para Câmara um documento sob a forma de uma queixa oficial, em que se deram a conhecer os motivos do descontentamento dos professores de Inglês: falta de pagamento dos salários em atraso e falsificação de documentos.

Dispusemos de 6 meses para pedir a averiguação do documento falsificado. Não o fizemos porque o processo é demorado, excessivamente caro e, como qualquer outro profissional verde, temíamos perder o lugar na lista de colocação no ano corrente e posteriores.


Contactamos o sindicato de professores, que contactou a DREN (Direcção Regional de Educação do Norte), que por sua vez contactou a Câmara Municipal da Feira. Miraculosamente o gerente foi pressionado, os salários regularizados, e acabamos por tentar levar este processo até ao fim sem mais percalços.

Como era de esperar, algumas de nós, mesmo assim, foram pagas com cheques sem cobertura e as transferências bancárias, por vezes, eram adiadas "porque falh[ava] a luz".


Quando esperávamos o pagamento do último mês de trabalho, Junho, (isto no dia 01 de Agosto), cerca de 20 minutos antes da hora de entrega combinada, um SMS informava-nos de que ambos os elementos que constituíam a entidade patronal se encontravam no Hospital. Após uma curta e humilhante espera à porta de casa dos patrões, e depois de tocar insistentemente à campainha, chegou o suposto acidentado, de carro, confirmando-nos que o gerente estava em casa e saiu, equipado para jogar ténis. Foi prometido que nos pagariam no dia seguinte, data em que finalmente a dívida foi saldada e nos vimos livres destas pessoas, que continuam com o seu Centro de Estudos, licenciado pelo Ministério da Educação, aberto para receber crianças em regime de OTL e explicações.

Este ano lectivo optei por fugir à minha zona de residência e trabalhei noutra Câmara, onde as condições de trabalho e o respeito pela nossa actividade melhoraram, contudo, continuei a não ter direito a QUALQUER direito, passo a redundância, e a ver o meu salário corresponder apenas às poucas horas em que dou as aulas, pelo que o tempo de preparação das mesmas, de correcção de trabalhos e preenchimento de infindáveis grelhas de avaliação são, obviamente, desprezadas. As formações e reuniões previstas no contrato de avença, assinado no início do ano lectivo, sem datas nem horário regulares, nunca nos foram remuneradas.


Tive de suportar os custos das cartolinas, folhas de cor e outros materiais que me permitiram fazer aulinhas mais coloridas para os meus meninos, porque esses sim, são os únicos a merecer o meu esforço.

Como diz a colega que também participa com o seu testemunho neste blog, "… as Actividades de Enriquecimento Curricular oferecidas aos alunos do 1º ciclo permitem-nos trabalhar, é certo, mas contribuem para que cada vez mais profissionais sejam escravos do recibo verde. […] As «exorbitâncias» que pagam não são suficientes para que eu possa depender apenas de mim. A licenciatura fez-me perder direitos fundamentais, como são o direito ao trabalho e à dignidade!".

NB - espero ainda o pagamento do mês de Junho, mas já não me iludo com melhores condições de trabalho neste nosso Portugal. Vou emigrar!

Anónima, que espera não ser descriminada depois de tantos pormenores.

02 agosto 2007

Testemunho: Haverá vontade?

Venho também apresentar o meu testemunho nesta vida de trabalho nos "recibos verdes". Também a minha actividade é a arqueologia e iniciei-a em 2000. As situações, algumas expressas por alguns de vós são transversais às diferentes profissões.

A subordinação a uma hierarquia, a um horário, o não ter direito a férias, não receber subsídios de férias e Natal, enfim o rol de "não direitos" é extenso e não vos vou maçar com estas coisas que tão bem conhecem.

Parece-me, pelas reportagens que li, na Visão e no Expresso, que uma enorme fatia de trabalhadores "falsos independentes" têm efectivamente formação superior, o que é contraditório com um país que se quer mais produtivo e desenvolvido.

Os Governos que temos tido apregoam a velha máxima: "mais formação corresponde a mais desenvolvimento". Mas porquê este tratamento a estas pessoas?

Outra situação muito grave é a nível da Segurança Social. Paga-se mensalmente cerca de €150 e não há direito a subsídio de doença nem sequer de subsídio de desemprego.

Partindo da premissa que somos trabalhadores independentes (que seguramente não somos), não podemos ficar sem trabalho como qualquer outro trabalhador? Se contribuo, usufruo. Se assim não é, e é o que nos querem empurrar, é melhor deixarem que optemos se queremos descontar para um sistema público ou privado. Neste cenário preferia descontar para um sistema privado. O panorama actual revela que somos cidadãos de segunda.

Mas não quero só criticar o que está mal. Quero propor soluções. Se existem "recibos verdes" que não foram criados para servirem para o trabalho continuado para a mesma entidade, há duas opções:

1. O Ministério das Finanças acaba com este método;
2. Já que têm obrigatoriamente que existir que haja regras.

Se a segunda hipótese vigorasse seria necessário mudar o modelo do recibo. Haveria um campo, tal como há para a cobrança do IVA e da retenção na fonte para a Segurança Social que teria que ser assumida pela empresa requerente da prestação de serviço.

Por outro lado, passados seis meses em que as Finanças observassem que recibos que chegassem sempre pelo mesmo contribuinte e pela mesma entidade, deixariam de aceitar mais recibos e exigiriam um contrato legal (neste momento, é possível informaticamente apurar estas situações). No caso dessa entidade recusar a elaboração desse contrato, haveria lugar a uma coima e sanções fiscais para essas empresas, de forma automática, bem como inspecções de trabalho contínuas.

Se não houver mudanças neste regime, um milhão de pessoas pode efectivamente passar a acções que podem arruinar a economia de um País. Não se esqueçam que contribuímos com as retenções na fonte, IVA e Segurança Social, importantes receitas para o Estado.

Aqui sim, o papel do Estado deve assumir a personalidade de regulador. Corrigir para não ser tarde.

Anónimo (infelizmente só assim pode ser).

Testemunho: Arqueologia

Comecei a trabalhar apenas três meses após terminar o curso. Achei-me uma sortuda! Disseram-me que teria que ser a recibos verdes e eu, que nunca tinha ouvido falar disso, aceitei imediatamente.

No primeiro ano, ainda não tinha despesas e estava isenta do pagamento da Segurança Social, por isso tudo corria bem. O ordenado não era assim tão mau e, segundo me diziam, toda a gente na área da Arqueologia trabalhava a recibos, portanto limitei-me a ficar feliz.

O meu segundo trabalho para uma empresa de arqueologia, já me colocou frente a frente com a realidade. Agora já descontava para a Segurança Social e todos os meses 21% do meu ordenado tinha que ser entregue ao Estado. Estava a 200km de casa. O alojamento, as refeições, as deslocações no âmbito do trabalho e o combustível eram por minha conta.

Tinha e tenho casa em Lisboa, para pagar, pelo que me sobravam alguns euros que davam para aguentar até ao próximo ordenado. Era insustentável. Tive que sair e vir para uma outra empresa, nas mesmas condições, mas mais perto de casa.

E todos os dias penso quando esta obra acabar (a maioria dos arqueólogos deste país trabalham em obras de construção civil, a fazer acompanhamento arqueológico), como é que vai ser? Tenho despesas fixas e nenhum vínculo legal com esta empresa. O único vínculo é respeitante a esta obra específica.

Se faltar por qualquer motivo, descontam-me o dia. Se a obra fechar alguns dias por qualquer motivo também não me pagam esses dias.

Estas situações são insustentáveis, injustas e deixam-me imensamente triste, desmotivada e revoltada.

Espero ansiosamente um contrato, daqueles contratos reais, não estas brincadeiras com que nos obrigam a sobreviver.

Provavelmente, muito provavelmente, a única solução será enveredar por outros caminhos que não a Arqueologia. Como muitos colegas meus já fizeram.
Anónima- Lisboa

01 agosto 2007

Testemunho: Universidade Privada

Não se julgue que apenas os trabalhos pouco prestigiosos e sem carreira são pagos a recibo verde.

Um professor universitário meu conhecido, há alguns anos, entrou em litígio com uma universidade privada porque esta insistia em considerar que o docente tinha uma relação sujeita a recibo verde. Facilmente ele pôde provar no tribunal do trabalho que se tratava de uma relação laboral normal, visto que ele tinha que preencher livros de sumários, tinha um horário fixo, tinha a responsabilidade de avaliar os seus alunos, etc. configurando um tipo de relação laboral caracterizável como trabalho subordinado.

A direcção dessa universidade foi compelida a chegar a acordo com esse docente, o qual queria essencialmente que a entidade patronal reconhecesse que o contratou durante ‘x’ tempo, tendo que repor as somas correspondentes à segurança social. Era importante para a vida dele, visto que só assim seriam contabilizados os anos de serviço na tal universidade, para obter direito à aposentação (entretanto tinha sido contratado por um estabelecimento público, abandonando as suas funções nessa universidade privada).

Uma das coisas mais absurdas neste caso, e porventura noutros, é que a sua luta, embora apoiada pelo sindicato não foi publicitada, o seu resultado vitorioso não foi divulgado amplamente, não se utilizou esse caso como precedente para fazer pressão sobre outros casos análogos. Penso que sejam às centenas ou milhares, apenas falando do ensino superior.

Só assim se explica que o índice de precariedade laboral no sector ensino superior seja de 80%...
Anónimo - Lisboa