Sou arquitecta e, há tempos, escrevi um testemunho acerca da precariedade em que vivi durante cinco longos anos a recibos verdes. Foram anos sem qualquer entusiasmo, apenas sob muita pressão, angústia, descriminação e revolta com o sistema que não nos protege. Recordo que descontava, até agora, metade do meu salário para o Estado, "para ter os meus direitos"; só me pergunto quais? Provavelmente desconto para dar mais uns rendimentos mínimos a quem vive de férias o ano inteiro, a passear-se pelos cafés e a criar vícios, porque não precisa de trabalhar, porque cansa... E assim a vida é bela; temos de trabalhar uns para os outros!
Trabalhei durante estes anos num ambiente do pior. Chegava ao ponto de pouco dormir e me sentir doente quando acordava, só de saber que tinha de ir para lá, porque já se tornara um grande sacrifício, mas tinha de ser porque precisamos e porque tinha a "sorte" de poucos, por estar a trabalhar na minha área.
Sempre dei o meu melhor e tudo fiz para agradar, o que nem sempre é fácil, mas sempre, sempre, com alguém prepositadamente a tentar afectar-me de alguma forma, através de chantagem psicológica, ameaças, descriminação sexual, atingindo diversas vezes a minha dignidade.
Muitas vezes me senti a chegar à exaustão e pensava que não aguentava mais e que tinha que sair dali, pois já começava a colocar em causa a minha própria saúde e os meus princípios, mas sem alternativas e com o desemprego que há, fui aguentando...
Até que, um mês antes de partir para férias, me falam em "segredo" na possibilidade de ser dispensada por causa da crise e tal e perguntei "porquê eu?"
E a resposta cobarde foi: "eu sou contra, mas acho que é por seres mulher".
A minha vontade era denunciar tudo. Isto criou-me uma maior revolta e, durante este período lutei com todas as forças, que as arranjei nem sei como, para mais uma vez manter a minha postura e afirmação lá dentro e ainda tive um momento de glória, pois a era de engolir todos os sapos vivos já tinha acabado e o meu estado de espírito era para lutar contra quem fosse, já estava por tudo, mas também não me iam calcar mais...
Depois chegam as férias. Ainda fui trabalhar durante um periodo mas ninguém me dizia nada... Imaginam o meu estado de espírito e de ansiedade, que fiz questão de dizer: "isto não se faz!" Pensei que iriam dizer-mo quando regressasse ou então aproveitavam mais meio mês de Agosto (porque não era pago) e depois adeus; queriam fazer-me sofrer e gozar até à ultima, não há nada pior que a incerteza....
Só que felizmente, depois de tanto que passei, tive a felicidade de me surgir uma boa proposta de trabalho durante as férias. Alguém viu qualidades e resolveu apostar em mim e quem disse ADEUSINHO com um sorriso de orelha a orelha fui eu!!!!
Ainda tive a dignidade, de fazer a comunicação por escrito e de a ir lá deixar, pois por muito que me tenham abalado, os meus princípios mantêm-se.
Por isso, às vezes, há males que vêm por bem... Vivia demasiado tempo na ansiedade de arranjar outro emprego, os degostos eram muitos e a frustração aumentava por não conseguir nada melhor que acabasse com aquele tormento.
E agora, quando já não tinha grande esperança e andava desanimada com tudo, a oportunidade surgiu. Acho que aguentei para além da conta e não podemos deixar que nos calquem ou que tentem passar por cima dos nossos valores. Ninguém tem esse direito. Há coisas que temos que preservar, senão, quando dermos conta, deixámos de ser quem éramos.