28 outubro 2009

Carga de Trabalhos deixa de publicar anúncios de trabalho ilegal

Após diversas denúncias e pressões, o site de procura de emprego Carga de Trabalhos optou, finalmente, por excluir a publicação de anúncios que atentem contra a legislação laboral em vigor.

O FERVE congratula-se e congratula o Carga de Trabalhos por esta medida.

Apresentamos, de seguida, o comunicado do
Carga de Trabalhos.

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Após bastante consideração, o Carga de Trabalhos decidiu mudar a sua política de publicação de anúncios, passando a rejeitar todos os anúncios nos quais figurem propostas que, segundo o Código do Trabalho em vigor, possam ser consideradas ilegais ou suspeitas.

Ainda que acreditemos na liberdade e responsabilidade individual dos cidadãos e na boa conduta e responsabilidade social das empresas e empresários portugueses, ao longo dos últimos tempos temos detectado um número crescente de ofertas que indiciam algum desconhecimento do direito do trabalho ou das normas do Instituto de Emprego e Formação Profissional e que têm valido ao Carga de Trabalhos várias reclamações e até alguma desconfiança, que coloca em causa o nosso trabalho em prol dos profissionais da área da comunicação.

Assim, lembramos que à luz do Código do Trabalho e de acordo com a opinião de vários especialistas na matéria, entre os quais o Dr. Garcia Pereira, os chamados estágios não-remunerados ou estágios com "ajudas de custo" são claramente ilegais, por constituírem, segundo a legislação, um verdadeiro e próprio Contrato de Trabalho.

Legalmente, todas as relações laborais nas quais exista local e horário de trabalho e em que o trabalhador reporte directamente a uma hierarquia/chefia são automaticamente consideradas contratos de trabalho e são dessa forma obrigados a cumprir vários requisitos legais, como a remuneração no valor igual ou superior ao Salário Mínimo Nacional em vigor, pagamento de Segurança Social e Imposto sobre o Rendimento Singular relativo ao trabalhador, além de 13º e 14º mês (subsídio de férias e de Natal). Lembramos também que para existir um Contrato de Trabalho Sem Termo (ou seja, efectivo ou permanente), não é obrigatório um documento assinado, sendo que esse existe apenas com acordo verbal das duas partes.

Da mesma forma, uma relação laboral com base nestes pressuposto nunca poderá ser remunerada através de Recibos Verdes, visto que estes se destinam à Prestação de Serviços por profissionais liberais ou trabalhadores por conta própria, que trabalham com autonomia, definem o seu próprio local e horário de trabalho, estando apenas obrigados a cumprir os prazos e condições fixados pela empresa, a qual, neste caso, é legalmente considerada cliente e não entidade empregadora.

Alertamos ainda que os indivíduos que, no âmbito de uma situação de Contrato de Trabalho, sejam remunerados com Recibos Verdes, podem a qualquer momento fazer denúncia da sua situação à Autoridade para as Condições de Trabalho, que poderá proceder à inspecção na empresa denunciada, podendo, além de obrigar ao pagamento de todas as contribuições e subsídios devidos ao trabalhador, autuar a entidade empregadora por incumprimento do Código do Trabalho.

Em relação aos estágios do IEFP, nomeadamente os estágios INOV-Jovem, lembramos que o regulamento dos mesmos determina que o candidato a estagiário não pode ter qualquer relação laboral prévia com a empresa aprovada para oferecer o estágio. O não cumprimento desta norma determina que a entidade empregadora em causa seja imediatamente excluída desta e de qualquer outra medida de apoio ao emprego ou formação do IEFP, podendo ainda ser activado um processo cível contra o infractor.

Recordamos também que os estágios denominados curriculares, não representando legalmente uma relação laboral mas sim uma etapa do processo formativo, só podem ser realizados mediante protocolo assinado entre a entidade empregadora e a entidade formadora, que designe um coordenador de estágio para acompanhar o formando. Qualquer estágio não protocolado não pode ser considerado curricular, constituindo mais uma vez uma situação de Contrato de Trabalho e tendo de respeitar os requisitos acima enunciados.

Por último, esclarecemos que os anúncios de emprego não podem discriminar os candidatos, seja pela idade, sexo, raça ou outros, podendo apenas diferenciar em relação à qualificação e conhecimentos necessários ou desejados ao desempenho da função anunciada.

O Carga de Trabalhos recusará, sem necessidade de qualquer outro esclarecimento, todos os anúncios que não respeitem um ou mais dos pontos atrás referidos, recusando qualquer responsabilidade factual ou moral em relação a eventuais incumprimentos por parte das entidades empregadoras.

Com os melhores cumprimentos,

Carga de Trabalhos

24 outubro 2009

O risco da bomba-relógio

"Para quando em Portugal queimarem-se carros?" A pergunta, que recordo de memória, foi feita na noite de sexta-feira da semana passada pelo jornalista João Pacheco, um dos fundadores do movimento Precários Inflexíveis, numa sessão de lançamento do livro organizado e lançado por um outro movimento de precários, o Ferve-Fartos/as d"Estes Recibos Verdes.

A pergunta - feita por um jornalista que recebeu o Prémio Gazeta de Revelação em 2006 e que hoje continua a trabalhar sem vínculo, depois de ter já trabalhado para a Visão e para o PÚBLICO - espelha o desespero de uma geração sem perspectivas de atingir as garantias e a segurança laboral e material que aos seus pais e avós estiveram asseguradas.

Hoje em Portugal os números atingidos pela precarização do trabalho são avassaladores e atingem um crescimento exponencial não acompanhado por outros países europeus. Estima-se que cerca de dois milhões de trabalhadores, ou seja, 40 por cento da população activa, estejam numa situação de vínculo laboral não permanente ou mesmo sem vínculo e trabalhe sob fórmulas jurídicas diversas como os contratos a prazo, as bolsas, o trabalho temporário, o trabalho não declarado e a prestação de serviços mediante recibo verdes. Sabe-se ainda que cerca de 900 mil pessoas trabalham a recibo verde.

Acresce a este mundus horribilis o facto de em Portugal o desemprego ter atingindo, segundo os dados do Instituto Nacional de Estatística e no trimestre de Abril, Maio e Junho, os 9,1 por cento da população activa, isto é, mais de meio milhão de pessoas. Já a OCDE prevê que até ao final de 2010 em Portugal se chegue aos 11,7 por cento, com um total de cerca de 650 mil pessoas sem emprego.

Quando um novo governo se prepara para entrar em funções, é importante questionar e reflectir sobre qual a realidade social que está a ser criada em Portugal. E nesta reflexão importa ter em conta o facto de o poder executivo continuar a ser liderado por José Sócrates, o primeiro-ministro responsável pela revisão do Código do Trabalho que consagrou de forma simbólica o reconhecimento legal do trabalho precário.

Nada indica que de facto a situação social em Portugal esteja para melhorar. Mais, o problema do dumping social não é um fenómeno que possa ser associado a uma crise conjuntural, a um mau momento na economia. Tudo indica que as mudanças são estruturais e que resultam de uma real alteração do modelo de organização sócio-económico.

Por isso é problemático pensar qual o futuro dos jovens. Não só dos que participaram na sessão organizada pelos Ferve e cujo olhar expectante feria a sensibilidade e a consciência de qualquer um. Mas de todos os jovens que foram criados num mundo e num modelo sócio-económico em que apreenderam - com o que viram em casa através da experiência de pais e de avós - que o emprego é também uma profissão e uma carreira. Que um emprego é também um lugar de inserção social e de identificação no colectivo. Que o emprego é também uma função e um papel social. E que ter emprego é o meio pelo qual se cumprem deveres para com a sociedade e se auferem direitos no plano da redistribuição da riqueza produzida pela sociedade. Riqueza essa que é garantida aos trabalhadores através do salário, mas também dos subsídios de Natal e de férias, do direito a subsídio de doença ou de desemprego.

Só que agora, quando chegou a sua vez, passaram a ser conhecidos como a geração que não tem direito a esses direitos e que apenas tem à sua espera trabalho precário e mal pago. E até já tem direito a alcunha: a geração dos 500 euros.

O modelo mudou e com ele o que parece ser o paradigma de quem trabalha. E se ainda persistem os privilegiados que vivem dentro do agora considerado como antigo modelo - e provavelmente sempre haverá, já que o modelo de economia capitalista pode não comportar a precariedade absoluta -, há uma massa crescente de trabalhadores que se vêem privados dos seus direitos laborais e sociais associados ao trabalho e que entram numa situação de isolamento absoluto, sem redes de inserção e de identificação na sociedade.

É que a regressão que em termos históricos se vive é-o no que se refere à garantia de direitos. Mas é nova a situação de isolamento e de não inserção dos indivíduos na sociedade. A individualização, a autonomização das relações sociais hoje agrava o isolamento do indivíduo, que se sente diferente ou excluído, e aumenta a estigmatização.

Ora a questão central que a pergunta de João Pacheco encerra é essa: até que ponto é que essa estigmatização, a de se ser um trabalhador diferente, um trabalhador sem direitos, um trabalhador de segunda, pode levar a actos de desespero e de raiva, que desencadeiem manifestações de agressão contra a sociedade que os maltrata. Até que ponto a violência que é sempre o ser-se estigmatizado é de tal forma atroz que motiva uma reacção e uma resposta de fúria contra a sociedade ou de pura agressividade sem objecto definido.

É dado como adquirido que os portugueses não são violentos, assim como é dado como adquirido que a atomização das relações sociais hoje seja razão suficiente para contrariar acções de revolta. Mas agora que um novo governo se prepara para entrar em funções, e mesmo sabendo que ele não irá inverter a situação criada e impor o fim do trabalho precário, é bom que se tenha consciência de que há uma bomba-relógio que pode estar accionada e com o tempo a contar.

Texto de São José Almeida, publicado na edição de 24/10/2009 do jornal
Público.

21 outubro 2009

14 trabalhadores/as a recibos verdes no ITN



O FERVE - Fartos/as d'Estes Recibos Verdes sabe que o Instituto Tecnológico e Nuclear, tutelado pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, tem 14 trabalhadores/as a exercer funções a falsos recibos verdes.

Estes profissionais, cujas habilitações académicas se estendem até ao pós-doutoramento, exercem funções permanentes, estão inseridos numa equipa, têm chefias e horário de trabalho definido. Aliás, desde o início de 2009, têm cartão de ponto.

Algumas destas pessoas começaram por trabalhar com recurso a bolsas de investigação que depois se converteram em falsos recibos verdes. A precariedade destes profissionais arrasta-se há vários anos, com promessas sucessivas, mas nunca concretizadas, de celebração de contratos de trabalho.

A situação profissional destes/as trabalhadores/as do ITN vem comprovar que os falsos recibos verdes se mantém nos Institutos Públicos, infirmando, mais uma vez, as repetidas promessas do governo cessante de que iria fazer a sua parte no que concerne à regularização dos falsos recibos verdes no sector público.

O FERVE considera fundamental que estas 14 pessoas vejam a sua situação profissional regularizada com a celebração de contratos de trabalho em funções públicas com toda a celeridade. Para tal, a solidariedade de todos nós é MUITO importante!



Como tal, solicitamos que, por favor, copiem o texto abaixo e o enviem para todos os grupos parlamentares, cujos mails também vos providenciamos.

gp_pp@pp.parlamento.pt, gp_psd@psd.parlamento.pt, gp@ps.parlamento.pt, pev.correio@pev.parlamento.pt, gp_pcp@pcp.parlamento.pt, blocoar@ar.parlamento.pt


Excelentíssimos/as senhores/as:

Tomei conhecimento de que o Instituto Tecnológico e Nuclear, tutelado pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, tem 14 trabalhadores/as a exercer funções a falsos recibos verdes.

Estes profissionais, cujas habilitações académicas se estendem até ao pós-doutoramento, exercem funções permanentes, estão inseridos numa equipa, têm chefias e horário de trabalho definido. Aliás, desde o início de 2009, têm cartão de ponto.

Algumas destas pessoas começaram por trabalhar com recurso a bolsas de investigação que depois se converteram em falsos recibos verdes. A precariedade destes profissionais arrasta-se há vários anos, com promessas sucessivas, mas nunca concretizadas, de celebração de contratos de trabalho.

A situação profissional destes/as trabalhadores/as do ITN vem comprovar que os falsos recibos verdes se mantém nos Institutos Públicos, infirmando, mais uma vez, as repetidas promessas do governo cessante de que iria fazer a sua parte no que concerne à regularização dos falsos recibos verdes no sector público.

Considero fundamental que estas 14 pessoas vejam a sua situação profissional regularizada com a celebração de contratos de trabalho em funções públicas com toda a celeridade.

Com os melhores cumprimentos;


ACTUALIZAÇÃO (26/10/2009): O Bloco de Esquerda endereçou uma pergunta ao Ministério da Ciência sobre este assunto. Continuamos a aguardar reacção por parte dos restantes partidos políticos.


ACTUALIZAÇÃO
(10/11/2009): O PCP remeteu hoje uma pergunta ao Ministério da Ciência. Podem ler aqui a resposta do Ministério, datada de 12/12/2009.


ACTUALIZAÇÃO
(03/12/2009): Podem ler aqui a resposta do Ministério ao Bloco de Esquerda.


ACTUALIZAÇÃO (28/01/2010): Os Verdes endereçaram hoje uma pergunta ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior.

17 outubro 2009

O livro "2 anos a FERVEr" no jornal Expresso

Texto de Mafalda Avelar

O livro "2 anos a FERVEr" na Antena 1

FERVE: Dois milhões de trabalhadores precários em Portugal

O movimento FERVE – Fartos/as d'Estes Recibos Verdes – apresentou esta sexta-feira o livro “2 anos a FERVEr: retratos da luta, balanço da precariedade”, que reúne textos de activistas contra os recibos verdes e de trabalhadores precários. O dirigente sindical Carvalho da Silva também escreveu um texto para este livro que resulta de dois anos de luta deste movimento e alerta para a existência de dois milhões de precários em Portugal, como pode ouvir na reportagem do jornalista Nuno Carvalho.

12 outubro 2009

Lisboa - 16 Outubro - 21h45 - Debate e lançamento do livro "2 anos a FERVEr"

Fotografia: Ana Candeias


DEBATE DE LANÇAMENTO em Lisboa

Dia: 16 Outubro, sexta-feira
Horário: 21h45
Local: Casa do Brasil (Rua S. Pedro de Alcântara, 63, 1º dir)

Oradoras/es:

- São José Almeida: jornalista do Público
- Manuel Carvalho da Silva: secretário geral da CGTP-IN
- Cristina Andrade: co-fundadora do FERVE
- Tiago Gillot: Precários Inflexíveis


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Há cerca de dois anos, surgiu, no Porto, o FERVE - Fartas/os d'Estes Recibos Verdes. Tínhamos como objectivo denunciar situações de uso abusivo de recibos verdes e promover um espaço de debate acerca desta realidade laboral. Designámos este fenómeno como 'falsos recibos verdes'; um fenómeno que atinge 900 mil pessoas em Portugal, ou seja, quase 1/5 das/os trabalhadores/as em Portugal.

Ao longo destes dois anos, temos colaborado na visibilização, denúncia e dinamização de diversas lutas, cuja persistência tem trazido para a praça pública a discussão sobre esta condição laboral.

Assinalamos dois anos de existência constatando que a expressão 'falsos recibos verdes' está ganha mas a sua existência persiste.

Assinalamos dois anos num momento em que a precariedade alastra no mercado laboral português.

Assinalamos dois anos quando Portugal regista a mais alta taxa de desemprego dos últimos anos.

Optámos, assim, por assinalar estes dois anos de luta com a edição de um livro onde se cruzam testemunhos de vidas precárias, reflexões de activistas contra a precariedade, intervenções de investigadores/as, jornalistas e sindicalistas.

"2 anos a FERVEr: retratos da luta, balanço da precariedade" é o título deste livro de 130 páginas, editado pela Afrontamento, que conta com dez testemunhos de trabalhadores/as a recibos verdes, ilustrados por Catarina Falcão, Chico, Gémeo Luís, Isabel Lhano, João Alves, Luís Silva, Paulo Anciães Monteiro, Rui Vitorio dos Santos.

O livro "2 anos a FERVEr: retratos da luta, balanço da precariedade", conta também com as contribuições de:

- Carvalho da Silva: Secretário Geral da CGTP-IN
- Henrique Borges: Sindicato dos Professores do Norte e membro da CGTP
- Elísio Estanque: Sociólogo - Centro de Estudos Sociais, Universidade de Coimbra
- Castro Caldas: Economista - Centro de Estudos Sociais, Universidade de Coimbra
- Sofia Cruz: Socióloga - Faculdade de Letras, Universidade do Porto
- Ana Maria Duarte: Socióloga - Centro de Estudos Sociais, Universidade do Minho
- São José Almeida: jornalista do Público
- Sandra Monteiro: jornalista do Monde Diplomatique
- Alexandra Figueira: jornalista
- Regina Guimarães: escritora
- valter hugo mãe: escritor
- Tiago Gillot: Precários Inflexíveis
- José Soeiro: Sociólogo e activista do MayDay
- Luísa Moreira: activista do MayDay
- Luís Silva: activista do MayDay

O FERVE no jornal I



A situação é surreal: dezenas de professores contratados por uma empresa de Lisboa na garagem de uma empresa de reparação automóvel de Matosinhos para leccionarem Música e Inglês nas escolas do Porto. Isto ocorre no quadro das chamadas actividades de enriquecimento curricular, obra do Ministério da Educação e dos municípios. Estes jovens professores podem almejar, depois de feitos todos os descontos, receber menos de quatrocentos euros por mês. O abuso foi denunciado pelo deputado José Soeiro e pelo FERVE - Fartas/os d'Estes Recibos Verdes -, um movimento social que se dedica a lutar contra os falsos recibos verdes. Este pedaço de papel tem o poder, com a cumplicidade activa do Estado, de transformar 900 mil trabalhadores em mercadoria barata e descartável.

Para celebrar dois anos de luta, o FERVE organizou um livro editado pela Afrontamento. Esta crónica tem o seu título, como singela homenagem. É sobre "desigualdades sólidas, capitalismo líquido, vidas gasosas", para retomar a certeira formulação de Sandra Monteiro, directora da edição portuguesa do "Le Monde diplomatique". Uma obra colectiva que conta também, entre outros, com contributos de Manuel Carvalho da Silva ou do próprio José Soeiro, para além de depoimentos pungentes de quem, maioritariamente jovem, tem de viver na corda bamba.

Sabemos que o tal capitalismo líquido, o que corrói todos os laços sociais dando demasiado poder a patrões com poucos escrúpulos, comprime salários - uma vez que os trabalhadores precários auferem remunerações inferiores - e diminui os incentivos para a aquisição de novas qualificações, porque todos os horizontes se estreitam.

O que talvez não seja tão conhecido é que o capitalismo líquido gera uma desmoralização que se inscreve na mente e no corpo, sem separações artificiais: a investigação na área dos determinantes sociais da saúde tem mostrado que a precariedade está associada a uma maior vulnerabilidade a vários tipos de doença, incluindo doenças mentais.

Face à cumplicidade dos poderes públicos, resignados ao ciclo vicioso de um capitalismo medíocre, que desistiram de disciplinar e de modernizar, o precariado vai lentamente descobrindo novas formas de associação e evitando as armadilhas dos que querem substituir a luta de classes pela luta de gerações. A lição desta história é clara: a decência no trabalho é obra da acção colectiva de todos os trabalhadores, dos que resistem ao esfarelamento dos direitos duramente conquistados e dos que reivindicam novos direitos.

O informado activismo do FERVE, de que este notável livro é produto, revela que a lição está estudada e por isso pode ensinar-nos novas lições. Vale mesmo a pena aprendê-las.


Texto de João Rodrigues (Economista e co-autor do blogue Ladrões de Bicicletas)

06 outubro 2009

385€/mês é quanto recebem (na melhor das hipóteses) as/os professoras/es das AEC's no Porto. A recibos verdes. Contratados numa oficina automóvel.



O FERVE - Fartas/os d'Estes Recibos Verdes exprime a sua total solidaridade para com as/os professoras/es de inglês e de música, das Actividades de Enriquecimento Curricular (AEC's), do Porto.

Estas/es profissionais estão a ser alvo de um vil e inaceitável desrespeito no que concerne à contratação laboral: o seu trabalho está a ser desenvolvido a falsos recibos verdes e a contratação dos seus serviços decorreu numa garagem de reparação automóvel, a AutoBrito, situada em Matosinhos apesar de, obviamente, irem desempenhar a sua actividade em escolas.

Os honorários auferidos são inferiores aos do ano transacto e são extraordinariamente baixos. Tenhamos em conta que estas pessoas trabalham em diversas escolas, o que implica deslocações que, para serem compatíveis com os horários, acarretam a necessidade de utilizar viatura própria. Assim, um/a professor/a que esteja a leccionar 20 horas semanais através das AEC's, no Porto, receberá, na melhor das hipóteses, 385 euros no final do mês. Vejamos:

11 euros/hora x 20 horas semanais = 880 euros brutos por mês aos quais há que descontar:

- 159 euros (Segurança Social)
- 176 euros (IRS)
- 10 euros (seguro de trabalho, assumindo que este é de 120 euros anuais)
- 80 euros (gasolina)
- 70 euros (almoço, assumindo que se almoça por 3,5 euros por dia)

TOTAL líquido no final do mês: 385 euros!!!!

A situação contratual destes/as profissionais é escandalosa e evidenciadora da desresponsabilização governamental face à educação e aos direitos laborais. Estas pessoas trabalham em escolas, providenciando uma actividade educativa que o Ministério da Educação considera ser fulcral. No entanto, encontram-se totalmente desprotegidas do ponto de vista social, profissional e contratual, uma vez que o Ministério da Educação OPTOU por não contratar professores/as através dos concursos nacionais, mas sim sub-delegar esta responsabilidade às Câmaras Municipais que contratam empresas que laboram como agiotas, com beneplácito governamental.

Apresentamos de seguida o comunicado das/os professoras/es das Actividades de Enriquecimento Curricular de música e inglês, no Porto.


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Exmos. Srs:

Os professores de Inglês e de Música das Actividades de Enriquecimento Curricular do Porto, particularmente preocupados com a Educação e o Ensino, com a imagem do Estado e com o bom uso dos dinheiros públicos, face ao completo caos que caracteriza o concurso público para a colocação dos docentes para o ano lectivo de 2009/2010 solicitam a V. Exas., a divulgação dos seguintes pontos que caracterizam a precariedade dos professores e a vergonha social do estado da educação deste país de forma a conduzir à resolução destes problemas.

Fazemo-lo pelos seguintes motivos:

- Alteração para pior das já precárias condições de trabalho dos professores de Inglês e de Música das AEC’s;

- Passamos do vencimento por turma para um vencimento por hora;

- Passamos de um valor equivalente a 12.5€ hora para um vencimento de 11€ /hora apenas;

- Continuamos a trabalhar com os falsos recibos verdes quando em 3 de Setembro do corrente ano saiu o Decreto-Lei nº 212/2009 que estabelece que os municípios podem celebrar contratos de trabalho a termo resolutivo, integral ou parcial com os professores no âmbito das Actividades de Enriquecimento Curricular;

- Deixamos de auferir os feriados e período de interrupção escolar, nomeadamente interrupção do Natal, Páscoa e Carnaval.

- Temos conhecimento que os professores da Actividade Física e Desportiva continuam a receber por turma e não à hora.

- Os professores das AECs de Inglês e Música foram recebidos numa oficina mecânica, designada por Auto-Brito em Matosinhos e saíram de lá com um horário na mão (distribuído aleatoriamente, sem respeitar graduações nem currículos).

- O contrato de trabalho de prestação de serviços ainda não foi celebrado. No entanto, os docentes já se encontram a leccionar nas escolas confiando apenas no acordo verbal.

- Mencionaram que não teríamos de planificar as aulas visto que as mesmas seriam fornecidas pela entidade promotora. As planificações anuais de Inglês foram de facto enviadas pelo correio electrónico, mas não contemplam a realidade da sala de aula. São orientações retiradas de um manual, contêm erros e não dão seguimento ao trabalho realizado pelos professores no ano anterior.

- Quando questionados relativamente às outras planificações (mensais e de articulação vertical), foi-nos dito que não teríamos de as fazer. No entanto as escolas e as professoras titulares exigem tal articulação, visto que faz parte dos objectivos gerais do ensino do Inglês e da Música no 1º Ciclo.

Após anos de dedicação e esforço por parte dos professores acima citados, após termos trabalhado a recibos verdes continuamente, sem direito a subsídios de férias, de Natal, de alimentação e até a subsídio de desemprego, ou em casos mais graves, subsídio de doença, vêm agora retirar-nos o pouco que já tínhamos?

Sempre tivemos uma atitude profissional no desempenho da nossa actividade, mesmo quando passávamos meses sem receber e continuávamos a ir trabalhar diariamente e muitas vezes sem dinheiro para fazer face às despesas de deslocação. Não é justo que após quatro anos, o projecto em vez de evoluir e melhorar as condições de trabalho dos profissionais tenha regredido.

Somos tratados de formas diferentes dos docentes de Educação Física quando trabalhamos para as mesmas escolas e fins??

Toda esta situação está a levar ao êxodo de uma grande maioria dos professores para os municípios vizinhos com melhores condições de trabalho, deixando a educação das crianças do Município do Porto à mercê de pessoas não qualificadas para tal e deixando também as crianças em muitas escolas sem as Actividades de Enriquecimento Curricular ao qual as mesmas tem direito e das quais os Encarregados de Educação dependem para organizar a sua vida.

Conscientes de que este pedido se fundamenta no exercício de uma cidadania empenhada e participativa, os signatários esperam de Vossas Excelências a tomada de medidas com a devida urgência que a gravidade da situação justifica.

Cordialmente,

Os Professores das Actividades de Enriquecimento Curricular do Porto


ACTUALIZAÇÃO (22/10/2009): O Bloco de Esquerda endereçou hoje uma pergunta ao Ministério da Educação e outra à Autoridade para as Condições de Trabalho sobre este assunto.


ACTUALIZAÇÃO (03/12/2009): Podem ler aqui a resposta do Ministério da Educação ao Bloco de Esquerda.

ACTUALIZAÇÃO (31/10/2009): O Diário de Notícias publicou hoje uma notícia sobre este assunto, que podem ler aqui.


ACTUALIZAÇÃO (30/12/2009): O PCP endereçou uma pergunta ao Ministério da Educação sobre este assunto. Continuamos a aguardar reacção por parte dos restantes partidos políticos.