Há uns anos, trabalhei numa empresa como operadora de registo de dados - o que nos resta... Tinha visto o anúncio de oferta que pedia licenciados.
Pareceu ser coisa séria q.b. Pesquisei na Internet a empresa e deparei-me com uma página toda modernaça, falando bem da sua actividade e dos seus serviços, publicitando o seu poder económico, apresentando-se como uma excelente empresa cotada na bolsa - coisa grande.
A empresa mãe era a Redi***, a filha a Redw***.
PRIMEIRO CONTACTO COM O EMPREGADOR:
Há uma fila para as entrevistas - normal - mas, ainda antes de me chamarem para a entrevista, dão-me uma ficha de inscrição onde pedem vários dados pessoais. Achei estranho.
Chamam-me finalmente e eis que me entrevistam. Queriam licenciados (em geral), porque era preciso "pensar", não era apenas para inserir dados acriticamente. Pergunto-me se um tipo com o 12º ano não pensa...
Fiquei a perceber que aceitavam praticamente toda a gente, pois, a preocupação da entrevistadora era concluir o preenchimento da tal ficha que me tinham dado.
Apresentam-me as condições: ia estar a recibos verdes durante o período de formação, ganhando 450 euros, trabalhando das 8 às 18h, depois desse tempo passava a contrato. Qual o período de formação? NOVE MESES! O prazo máximo legal para manter alguém em formação.
Infelizmente, aceitei. É isto que temos que tolerar...
Lá fui passar uma tardinha à loja do cidadão para abrir actividade. Foi engraçado, na altura de preencher o formulário, constatar que ninguém sabe como preenchê-lo numa situação em que de facto não se trata de trabalho independente. Certos campos ficam sem resposta, escrevendo-se antes uma nota ou observação. É claro que o recibo não serve para aquele fim.
PRIMEIRO DIA:
Chego à hora marcada e pedem-me que espere. Esperei num pequeno sofá enfiado num hall de escada, junto aos elevadores onde era nada mais nada menos que a "cantina" dos funcionários. Um hall com uma máquina de bolos e uma máquina de café - tudo de moedas. Lá metido num canto, havia um microondas. Repare-se que o edifício é enorme e todo sofisticado. Os funcionários comiam ali de pé, junto a umas escassas mesas de pé alto, qual cafetaria de estação de serviço.
E esperei. Esperei 10, 20, 30 minutos e nada. A mim, haviam-se juntado mais duas pessoas (jovens) que também iam começar a trabalhar ali. E esperámos no mini sofá, até que alguém se dignou a pelo menos explicar porque esperávamos tanto. Um dos novos colegas atrasara-se e não começaríamos sem que ele chegasse. O sujeito morava na outra banda. Esperámos mais de uma hora. Até que ele chegou.
A "FORMAÇÃO":
Ficámos então à espera que chegasse a pessoa que nos ia dar formação. Ninguém falava connosco, nem uma palavra de recepção...os supervisores de operadores (função cobiçada por uns quantos desgraçados) andavam por ali, mas não nos dirigiam a palavra. Chega então a senhora que nos daria a formação. Nem vale a pena dizer que a senhora se atrapalhava com o próprio computador. Vinha de outra empresa e era apenas uma pessoa que já trabalhara com aquele sistema. Qualquer um ali dentro poderia ter feito o que ela fez.
A "formação" foi interrompida umas quantas vezes, por tempos indeterminados, porque o sistema ia abaixo com frequência.
Por fim, a supervisora diz que chega de formação, não vale a pena continuar, pois já estávamos esclarecidos. A senhora foi e com ela foi-se a "formação", mas os recibos verdes ficaram mais nove meses...claro.
O AMBIENTE DE TRABALHO:
A função não era complicada, mas sempre que tínhamos dúvidas, e apesar de termos tido instruções para chamar o supervisor nesses momentos, a supervisora reclamava porque a estávamos a interromper, porque isto, porque aquilo. Passei a tirar dúvidas com o outro supervisor, mais acessível, apesar de tudo.
No segundo dia, todos são convocados para uma "reunião de emergência".
- Local da reunião?
- Uma sala de dois metros quadrados que servia de armazém de material informático. Enfiaram assim, mais de uma dezena de pessoas dentro de uma dispensa, sem sítio para sentar ou mexer.
Temas da reunião: ou passávamos a fazer x fichas por dia ou íamos para a rua na hora, porque "estão a recibos verdes, e nem é preciso dizer nada!!!". Escusado será dizer que a única pessoa que falou foi a supervisora, que nunca aceitou justificações do pessoal - tal como "o sistema está constantemente a ir abaixo" (de facto, fazíamos interrupções de uma hora, ou mais, com uma frequência absurda).
A mensagem não era para os novos, mas nada os impediu de nos convocar também.
Terceiro dia, nova reunião. Desta vez numa sala às escuras, sem nada, sem bancos, mesas...nada. Sentados numa alcatifa bolorenta.
Motivo: se não andássemos de fato íamos para a rua na hora, porque estávamos a recibos verdes e era na hora "nem era preciso dizer nada!!!", e que havia mais gente lá fora para ir para ali, não éramos, portanto, imprescindíveis.
Um ou outro colega, mais audaz, lembrou-a que não nos cruzávamos com clientes nem administradores, pelo que não fazia sentido usar fato. Outra disse que não tinha dinheiro para comprar fatos...mas a supervisora apenas respondia, num tom verdadeiramente autoritário, que se não estávamos bem ali, saíssemos, era só dizer, porque estávamos a recibos verdes, tal tal...
Certo dia, cerca das 18 horas (hora de saída), a supervisora diz o seguinte ao meu colega do lado: “tu hoje sais 10 minutos mais tarde, porque chegaste atrasado 10 minutos”. Não pude deixar de pensar no meu caso: se eu chegava sempre 5 minutos mais cedo, poderia sair 5 minutos mais cedo? Nem ousei perguntar.
QUARTO DIA:
Adoeci. O ar condicionado era posto ao rubro, um calor insuportável, até que um sujeito – consta que era o supervisor dos supervisores, ou algo que o valha – entrava, e encarregava-se de escancarar o janelão ao meu lado. Estávamos no Inverno e o local era um ermo, vasto, onde o vento gelado irrompia violentamente.
Isto e o ambiente de trabalho fabuloso que baixa as defesas a qualquer um.
Estava realmente doente. Não sou de faltar nem nunca fui. Nem doente. Mas estava realmente doente. Não conseguia estar de pé. Liguei para lá antes das 8h, disseram-me que ligasse mais tarde quando a simpatia da supervisora chegasse. Fiz isso e falei com ela. “Tens que meter baixa”. Na altura nem me passou pela cabeça o descabido que isto era. Tinha então, segundo ela, três dias para ir ao escritório entregar o papel, ou então não aceitavam a justificação. Bom, consegui boleia para lá ir, enfiada em gorros e cachecóis, cheguei, entreguei e fui-me embora. Olhou-me de alto a baixo, desconfiada e a coisa ficou por ali.
Dia seguinte de manhã, liga-me a informar que fui despedida, porque tive o descaramento de entregar uma baixa de uma semana, quando só lá estava a trabalhar há uns dias, que não podiam ter lá pessoas com quem não podiam contar, que eu dava muitos erros – isto era claramente falso, pois não só fazia as tais 80 fichas por dia, como, no dia seguinte, recebíamos a avaliação e a minha era das melhores, mas enfim) e invocou ainda outra razão absurda que, sinceramente, já nem me lembro qual era – se não estou em erro, ela não simpatizou com a minha figura (penso que me viu como uma ameaça, honestamente – os colegas gostavam de mim, fazia o meu trabalho bem...).
A coisa podia ter acabado ali – até foi um favor que me fizeram, tirar-me daquele martírio – mas não!
Quando fui receber, ainda não satisfeita com os motivos invocados para me “despedirem”, falei com o tal supervisor dos supervisores e perguntei-lhe a que se devia o despedimento: era o facto de ter faltado durante uma semana, e de por isso, não saberem se podiam contar comigo. Questionei-o: mas e não teve a ver com os meus erros? Não. Não tinha nada a ver com isso, se os desse era natural, porque estava ali há pouco tempo. A sujeita aparece e confronto-a – sim, também não podia ficar a ver aquilo de braços cruzados até ao fim. Grita comigo, interrompe-me, nega, contradiz-se. Disse-lhe com toda a calma que já tinha percebido tudo e que ela mentira com todos os dentes. Finda a discussão, o chefe dos supervisores diz-me, depois de me terem feito ir naquele dia àquela hora ali, que não me podiam pagar naquele momento, porque se tinham enganado a “processar os salários”. Voltasse lá no mês seguinte.
No mês seguinte, com o número de telefone da inspecção do trabalho no bolso, para o que desse e viesse, e lá fui buscar 100 euros, se tanto, dos quais descontei a percentagem para a segurança social.
ASSIM, EIS O QUE A REDW*** ME OFERECEU:
Um falso contrato a recibos sob o pretexto de período de formação
Formação que de 9 meses passou a umas meras 4 horas, apesar de teoricamente mantermo-nos nesta condição durante 9 meses.
Um salário que para pouco ou nada servia.
Sem direito à doença, à falta, à baixa.
Sem subsídio de almoço apesar de termos um horário de 8 horas – o trabalhador “independente” suporta os custos
Uma hora de almoço.
Ameaças constantes de despedimento, por motivos descabidos, aproveitando as condições não-contratuais a que estávamos sujeitos.
Obrigação de usar determinada indumentária.
Obrigação de cumprir horários da forma mais rígida possível – 5 minutos de atraso equivaliam a 5 minutos para lá da hora de saída.
Obrigação de cumprir um resultado estipulado ao fim do dia, com controlo e avaliação de alguém absolutamente desconhecido (nunca nos foram apresentadas as pessoas da empresa).
Uma cantina inóspita, sem bancos, sem privacidade, sem alimentos de jeito (sandes e bolos embalados de fábrica) enfiada no hall das escadas.
A única alternativa era ir ao Aquarius (cadeia de café/restaurante que surge como cogumelos em todas as zonas de empresas, onde não há mais nada e que por isso é caro, não tem serviço de mesas, nem espaço para todos os que ali vão sem remédio: come e despacha-te que há mais gente à espera).
Um sistema informático que funcionava mal, obrigando-nos a esperar horas pela sua recuperação, apesar de termos que apresentar um determinado resultado no fim do dia. Climatização desregulada.
Eu fui-me. Enquanto lá estive tentei chamar a atenção de alguns colegas para o atropelo descarado aos direitos, à ilegalidade de certas coisas. Nada. Uns não queriam saber porque aquilo era para pagar os estudos, outros precisavam de se sujeitar a estas coisas...e estes ficaram-se. Quanto à Redi*** e à Redw***, lá estão, na Bolsa de Valores.
Foi a forma de exploração mais deplorável a que assisti, numa empresa que se diz ser muito à frente.