05 setembro 2009

Testemunho: arquitectura

Sou arquitecta e, há tempos, escrevi um testemunho acerca da precariedade em que vivi durante cinco longos anos a recibos verdes. Foram anos sem qualquer entusiasmo, apenas sob muita pressão, angústia, descriminação e revolta com o sistema que não nos protege. Recordo que descontava, até agora, metade do meu salário para o Estado, "para ter os meus direitos"; só me pergunto quais? Provavelmente desconto para dar mais uns rendimentos mínimos a quem vive de férias o ano inteiro, a passear-se pelos cafés e a criar vícios, porque não precisa de trabalhar, porque cansa... E assim a vida é bela; temos de trabalhar uns para os outros!

Trabalhei durante estes anos num ambiente do pior. Chegava ao ponto de pouco dormir e me sentir doente quando acordava, só de saber que tinha de ir para lá, porque já se tornara um grande sacrifício, mas tinha de ser porque precisamos e porque tinha a "sorte" de poucos, por estar a trabalhar na minha área.

Sempre dei o meu melhor e tudo fiz para agradar, o que nem sempre é fácil, mas sempre, sempre, com alguém prepositadamente a tentar afectar-me de alguma forma, através de chantagem psicológica, ameaças, descriminação sexual, atingindo diversas vezes a minha dignidade.
Muitas vezes me senti a chegar à exaustão e pensava que não aguentava mais e que tinha que sair dali, pois já começava a colocar em causa a minha própria saúde e os meus princípios, mas sem alternativas e com o desemprego que há, fui aguentando...

Até que, um mês antes de partir para férias, me falam em "segredo" na possibilidade de ser dispensada por causa da crise e tal e perguntei "porquê eu?"

E a resposta cobarde foi: "eu sou contra, mas acho que é por seres mulher".

A minha vontade era denunciar tudo. Isto criou-me uma maior revolta e, durante este período lutei com todas as forças, que as arranjei nem sei como, para mais uma vez manter a minha postura e afirmação lá dentro e ainda tive um momento de glória, pois a era de engolir todos os sapos vivos já tinha acabado e o meu estado de espírito era para lutar contra quem fosse, já estava por tudo, mas também não me iam calcar mais...
Depois chegam as férias. Ainda fui trabalhar durante um periodo mas ninguém me dizia nada... Imaginam o meu estado de espírito e de ansiedade, que fiz questão de dizer: "isto não se faz!" Pensei que iriam dizer-mo quando regressasse ou então aproveitavam mais meio mês de Agosto (porque não era pago) e depois adeus; queriam fazer-me sofrer e gozar até à ultima, não há nada pior que a incerteza....

Só que felizmente, depois de tanto que passei, tive a felicidade de me surgir uma boa proposta de trabalho durante as férias. Alguém viu qualidades e resolveu apostar em mim e quem disse ADEUSINHO com um sorriso de orelha a orelha fui eu!!!!

Ainda tive a dignidade, de fazer a comunicação por escrito e de a ir lá deixar, pois por muito que me tenham abalado, os meus princípios mantêm-se.

Por isso, às vezes, há males que vêm por bem... Vivia demasiado tempo na ansiedade de arranjar outro emprego, os degostos eram muitos e a frustração aumentava por não conseguir nada melhor que acabasse com aquele tormento.

E agora, quando já não tinha grande esperança e andava desanimada com tudo, a oportunidade surgiu. Acho que aguentei para além da conta e não podemos deixar que nos calquem ou que tentem passar por cima dos nossos valores. Ninguém tem esse direito. Há coisas que temos que preservar, senão, quando dermos conta, deixámos de ser quem éramos.

9 comentários:

Indy Jones disse...

Parabéns, Arquitecta: fico feliz por a tua vida ter melhorado. Tanto sofreste até que, finalmente, recebeste o que merecias! Devias era pôr o nome da "porcaria" onde foste explorada para todos saberem o que isso vale. Já agora, tem cuidado com o novo emprego porque, infelizmente, tudo são rosas no início e depois... Boa sorte e fica bem.

Isa disse...

Como eu te compreendo...
Aliás, na altura, subscrevi na íntegra o que descrevias sobre a tua experiência a nível profissional. Os teus sentimentos e angústias eram e são as minhas.
Eu também penso como tu e acho que nunca devemos deixar que nada destrua os nossos princípios. Acima de tudo temos de preservar a nossa integridade moral. É isso que nos distingue dos outros!
Felizmente para ti (e felicito-te!!) conseguiste encontrar um novo rumo e mudar a tua vida. Eu já estou numa outra fase. Ou seja, ainda sem sequer ter encontrado nada na minha área, como alternativa, já não suporto mais o ambiente em que estou. E como não sou pessoa de aguentar por muito, já comecei a dar sinais de abandonar a instituição onde estou. Mesmo que isso implique ficar desempregada e sem direito ao subsídio de desemprego. É um preço muito alto aquele que tenho de pagar para 'pagar para trabalhar', como é o meu caso, actualmente. E quando não nos dão valor e parece que (no entender 'deles') nos estão a fazer um favor em nos manter como funcionários, ao ponto de eu estar há 11 meses sem receber, as 'coisas' começam a saturar de verdade.
Sendo assim, é tudo uma questão de dias até eu tomar uma decisão drástica...mesmo que isso implique também ir pela via judicial. Não é a primeira vez e, por isso, já nada me assusta.
Enfim...

Parabéns, mais uma vez! O teu novo testemunho leva-me a acreditar naquilo que sempre pensei: é que mais tarde ou mais cedo o nosso esforço é compensado. Pode demorar tempo, mas tudo se compõe. :o)

Indy_Jones disse...

Olá Isa. Só te quero lembrar que, como já passaram 11 meses, não deves deixar passar muito mais tempo porque ao fim de um ano perde-se o direito de reclamar uma dívida. Escreveste que poderias seguir a via judicial e que não é a primeira vez: gostava de saber como te correu o processo judicial anterior, foi no Tribunal de Trabalho, demorou muito, ganhaste? Se pudesses contar alguns pormenores, agradecia muito. Obrigado.

Isa disse...

Olá Indy!

Antes de mais, obrigada pela informação que me deste (de que ao fim de um ano, perde-se a possibilidade de reclamar uma dívida). Não sabia disso! Mas para ser sincera, em tudo o que tenha a ver com 'recibos verdes', para mim é quase desconhecimento. Vou aprendendo à medida que surgem situações, porque ninguém sabe informar como deve ser. Pelo menos, esta é a experiência que tenho.
Em relação à pergunta que fazes, a situação que tive no passado foi de iniciativa minha. Não entrando em muitos pormenores, tive de ir pela via judicial para repor algumas verdades. Não estava em causa a questão monetária, se quiseres, muito embora, por 'arrasto', acabasse por também ter implicações. Ao fim de pouco mais de 5 anos (sim, não me enganei), vi a situação ser resolvida em parte. 'Ganhei' (coloco entre aspas porque na prática nunca somos ressarcidos do desgaste a que és sujeito, por exemplo), mas tive de colocar nova acção por incumprimento da sentença. Ou seja, até hoje, passado um ano, ainda não vi a situação resolvida de vez.
Mas o que estava em causa, no meu caso, era o meu nome e a minha integridade e, tendo em conta a minha maneira de ser, nem que tivesse de aguentar até ao fim dos meus dias, iria lutar por aquilo que acho que é a verdade e a justiça.
Pelo que sei (pelo que me foi transmitido), em norma, todos os trabalhadores conseguem fazer valer os seus direitos. Há casos que são mais céleres e outros que se arrastam no tempo, como o foi o meu. Mas no final, o trabalhador, se quiseres (e repito, pelo que me foi transmitido) tem sempre razão.
Ir por esta via conduz a duas situações: pensar se vale a pena o esforço (seja emocional, seja monetário); ou se, pelo contrário, porque a pessoa não quer ter problemas e não quer ter 'chatices', o melhor é tentar uma solução de 'fuga', mesmo que saia prejudicado.
Como eu te disse, eu pertenço ao primeiro grupo e, por isso, mesmo sabendo as consequências, nunca desisto de lutar pelos meus direitos.

Espero ter ajudado de alguma forma. :o)

P.S. E, sim, o processo decorre no Tribunal do Trabalho.

Anónimo disse...

Isa e Indy, obrigado pelas vossas felicitações!Agradeço imenso, e espero acima de tudo que também a sorte vos bata à porta!Por favor peço-vos que não se rebaixem, não tenham medo, porque senão sentimo-nos pior do que animais, deixamos de ser gente e de sentir vida dentro de nós, parece que andamos moribundos, e há sempre quem se aproveite de todas e quaiquer fragilidades, por isso há que estar atento e lutar, nunca desistir de nada é o que nos dá ânimo, a esperança!E a revolta transforma-se em força para chegar-mos onde queremos, porque um dia vamos lá chegar,pode demorar, mas chegamos!Senão a vida não fazia sentido.

Indy_Jones disse...

Isa, obrigado pela partilha de informações: fiz aquelas perguntas porque também eu andei mais de 6 meses sem ver a cor do dinheiro e ainda sofri a humilhação de ser expulso do local de trabalho, vai fazer 2 anos. Mas não houve problema: processo em Tribunal contra a entidade patronal, que em breve irá começar. Muita "roupa suja" se vai lavar, mas não tenho medo! Gostava era de fazer justiça pelas minhas próprias mãos...

Isa disse...

Olá Indy!

Bem...então somos dois. :o) Eu, muito provavelmente, vou novamente pelo mesmo caminho. Continuam sem me pagar, mostrando uma arrogância inexplicável (onde a tentativa de humilhação já começa a surgir no 'horizonte'), sem justificações válidas (para o não pagamento) e eu já cheguei ao limite do razoável e do tolerável.
Acho que os limites já se ultrapassaram e estou saturada. Por isso, estou seriamente a pensar em agir pela via judicial. Só preciso de reunir algumas informações e seguir em frente!
Mas aproveitava para te fazer uma pequena sugestão (que não tem qualquer tipo de má intenção): haverá outra forma de eu te perguntar certas 'coisas', de forma mais específica, sem que isso te exponha ou até a mim, dado que estamos a revelar situações pessoais?
Se concordares e achares bem, eu gostava de trocar algumas impressões contigo (no fundo, é só para completar informações ou ajudar-mo-nos mutuamente, dado que a situação é similar).
Espero que não entendas esta sugestão como atrevimento. Estou a ser muito pragmática e tendo em conta que estou a lidar com gente sem escrúpulos (refiro-me, como é óbvio, às pessoas da instituição onde prestei serviço), todas as 'armas' são válidas.



'Arquitecta'!

Antes de mais, parabéns mais uma vez pela tua 'vitória'! Acreditaste e como vês a vida também traz coisas boas! :o)
E eu percebo o que dizes. Mas apesar de concordar inteiramente contigo, sabes qual é a sensação que tenho em relação às pessoas que não se rebaixam, como dizes, e que lutam pela verdade e pelos seus direitos? Essas são as que são contra o 'sistema' e são as primeiras a serem 'abatidas'. Quem se menospreza, quem se cala, quem se anula, quem é capaz de passar para o outro 'lado', tipo lacaio, nunca tem problemas. Os outros, por serem incómodos, são sempre os primeiros a serem 'abatidos'. Infelizmente ou FELIZMENTE, eu faço parte deste segundo grupo e, como já deves ter percebido, vou para minha segunda 'batalha'...
Enfim...
Pode ser que um dia consiga ter a paz e o sossego que tanto desejo! :o)

Cumprimentos aos dois! :o)

Indy_Jones disse...

Olá Isa. Podemos fazer assim: manda uma mensagem para o mail principal do FERVE, explicando que queres entrar em contacto com o Indy Jones e pedindo-lhes para eles enviarem o teu endereço para o meu. Eu farei o mesmo, e depois poderemos trocar impressões entre nós, sem exposição. É claro, que dependemos da boa vontade do FERVE. Até breve ;)

Isa disse...

Está bem! :o)
Tenho umas perguntas que te gostava de fazer, até porque hoje fiquei a par de alguns pormenores legais. Mas depois poderei revelar.

E até breve! :o)