09 dezembro 2009

Testemunho: CCDR-Norte


Peço-vos para realizar, por instantes, o seguinte exercício de visualização:

Imaginem, por momentos, que tiveram uns pais que se empenharam para, com muito sacrifício, vos proporcionar a melhor formação superior na área de estudo que escolheram. Parece fácil, certo? Imaginem agora que essa área de estudo é a preservação do Ambiente, mais concretamente ao nível da gestão da qualidade do ar.

O próximo passo é imaginar que, num belo dia de desemprego, alguém acima de qualquer suspeita vos propõe realizar um determinado trabalho numa determinada CCDR, servindo a população dessa região. A nobre tarefa, ressalva-se, teria que ser realizada em condições precárias de trabalho, a recibos verdes, sem direito a qualquer protecção social em caso de acidente ou doença. Sem direito a subsídio de férias ou a 13.º mês. Mas com horário e chefes, ao contrário do que o regime de prestação de serviços pressupõe. Enfim, sem direitos equivalentes à função a desempenhar ou sequer à relevância do local de trabalho. Mas bem melhor do que estar desempregado, argumento que o Estado tem vindo, cobardemente, a usar.

Imaginem agora que, apesar da precariedade, dada a nobreza da tarefa e face à vossa condição de desempregados, decidem aceitar o trabalho proposto.

Agora imaginem que chegam ao vosso trabalho nessa entidade do Ministério do Ambiente e encontram a gestão da qualidade do ar nessa região num modo de gestão medieval. Milhares de processos empilhados, completamente crivados de análises, apreciações e concessões ilegais e/ou ininteligíveis, um chefe que nada percebe da área nem sequer tem formação. O local assemelha-se a um santuário onde se veneram os corredores do poder em detrimento das pessoas e do ambiente na região. Onde tudo é negociável, inclusivamente a verdade…

Imaginem agora que, no espaço de um ano e meio conseguiam produzir resultados superiores aos do somatório dos 15 (quinze!) anos anteriores e que recorrentemente explicavam, a agentes do Ministério do Ambiente, o espírito da lei e as suas exigências para que esta começasse a ser aplicada alguns anos após ter sido publicada. Gratificante, apesar do contexto de extrema nebulosidade.

Imaginem agora que, para vosso espanto, descobrem uma grande possibilidade de o próprio Ministério do Ambiente se encontrar em situação ilegal em domínios cuja sua função é, entre outras, fiscalizar. Como fiscalizar os outros se não cumprimos nós com o básico? Como cumpri-lo, se nem sequer conhecemos a existência da aplicabilidade dessas obrigações ambientais a nós próprios? Decerto achariam estranhíssima a fraca preparação de toda a cadeia de chefia dessa “casa”. Então no Ministério do Ambiente de Portugal não se conhecem as leis que gerem a qualidade do ar?

Continuando com o exercício de visualização, imaginem que dão conhecimento a quem de direito dessas potenciais ilegalidades e que a reacção, numa primeira hora de aparente surpresa e agradecimento pela nova informação, gradualmente se transforma em boicote silencioso ao V/ trabalho, maledicências e demais tentativas de desacreditar quem comprovadamente é tecnicamente mais capaz. Assim se confunde lealdade para com o Estado com a natural subserviência que chefes inaptos exigem dos seus subordinados como resultado do pavor genético de “caírem da cadeira”.
Agora imaginem que, para vosso espanto, essas ilegalidades passam a ser assunto tabu, sendo-vos negada qualquer informação relevante.

Para finalizar este exercício sobre o “modus operandi” da função pública, as pobres das chefias intermédias dessa “casa”, ao sentirem o seu trilho de sucesso pessoal ameaçado pela obrigação de tomar uma decisão surpreendentemente incómoda não hesitam e promovem o fim abrupto e compulsivo do protocolo que, “de boa fé”, tinham acordado convosco, largos meses antes do prazo inicialmente acordado.

Deste modo, as ilegalidades detectadas, a ausência de conhecimento técnico, a incapacidade de apreciar pedidos, de emitir opiniões tecnicamente válidas e de responder às necessidades da população servida por essa CCDR, voltam a hibernar sob o efeito estupefaciente das virtuosas chefias que por si (próprias) zelam.
E assim se vêem no final da história, “expulsos” por excesso de competência, sem qualquer justificação de cariz laboral e com o saco dos direitos completamente vazio…Em plena recessão e com uma família para sustentar…Enquanto o Estado segue ilegal, a fiscalizar e a aplicar coimas aos prevaricadores de pequena dimensão.

Muito obrigado pela vossa atenção. O exercício de visualização está concluído.

Deixo-vos agora com duas de entre muitas das interpretações que é possível reter.

a) Se sentirem indignação, espanto ou até mesmo nojo, cuidado! Podem não estar preparados para o País em que vivem…Emigrar pode (e deve) ser uma opção a equacionar…

b) Se acharem este episódio como “normal”, parabéns! Este país precisa de mais gente como vocês para a manutenção da condição de “País-Hamster” que, engaiolado na sua rodinha corre, corre, corre, corre, corre, corre. Depois, muito cansado, conclui que nunca saiu do sítio.

Este percurso laboral, “felizmente”, ninguém mo contou…

Tenho, desta forma, o privilégio vitalício de ter vivido esta história na primeira pessoa, tendo a mesma decorrido entre Setembro de 2007 e Janeiro de 2009, altura do meu “despedimento” sumaríssimo por alegadas “desavenças pessoais inultrapassáveis pelo meu chefe”, razão que me foi comunicada. Relembro que me encontrava a recibos verdes, ou seja, supostamente “sem chefe”…

Não sou nem fui o único a ser explorado de forma “baixa” pelo meu País.

Sublinho que, apesar de ter sido eu o envolvido, não se devem considerar os sujeitos como o mais importante deste episódio real. Os predicados sim, são o cerne da questão. Assim como a perpetuação da escravidão e da incompetência que nos vai empurrando, minuto após minuto, segundo após segundo, para a cauda da Europa.

Para concluir, abro novo espaço à imaginação:

Como devem imaginar, perdi a confiança neste Ministério do Ambiente de Portugal.
Como devem imaginar, perdi a confiança neste Portugal que trafica pessoas.
Como devem imaginar, há muitíssimos mais como eu (um dos meus colegas estava a recibos verdes há mais de 9 anos, sempre nessa CCDR-N)…

4 comentários:

Anónimo disse...

Primeira hipótese...senti indignação, nojo...vivi uma situação parecida com a sua, num local com chefias completamente incompetentes...o seu caso só reforça o que eu tenho constatado...as pessoas mais conformistas são as que melhor se adaptam ao mercado de trabalho! Pessoas que são muito competentes, como me parece o seu caso, em ambientes de incompetência...é que não funciona mesmo!! São vistas como revolucionárias, mexem em pontos "tabus" do "SISTEMA" e portanto há que mandá-las embora à primeira oportunidade...principalmente em empresas públicas em que os resultados não estão dependentes do desempenho!!! Empresas públicas em Portugal são uma corja...para si propunha uma empresa privada competente ou mesmo ir pra fora...ou então ficar mesmo mais conformista e passivo, que é o que as chefias muitas vezes gostam...boa sorte e nao deixe a sua auto-estima ser afectada por isso, pelo contrário, aproveite para aumentá-la...de ser tão competente começou a ameaçar o sistema!!! :D

Catia disse...

quando pensamos que já nada nos surpreende neste País, aparece mais um testemunho incrível destes. é lamentável, muito lamentável. mas a denúncia corajosa e louvável. a esperança reside apenas na reunião e força de todos aqueles que se indignarem. é a única possibilidade de mudança.

Tia Maria disse...

O meu conselho é, EMIGREM.
POrtugal não gosta de nós, até é um favor que fazemos.
Cumprimentos da terra das tulipas.

Anónimo disse...

Tb estive a trabalhar numa CCDR durante 5 anos a recibos verdes. Eu e mais dois colegas conseguimos fazer um trabalho notável na área dos resíduos industriais.
Para quê ?
Avisaram-nos 15 dias antes do "contrato" terminar que este não seria renovado.
O nosso trabalho, que chegou a ser elogiado pelo actual secretário de estado deixou de ser feito. Who cares ?
Quem aproveita com isto tudo têm sido os professores doutores das universidades com quem o Ministério do Ambiente (CCDRs incluídas) gostam muito de estabelecer protocolos e encomendar estudos. Mas isso também deves saber...
Joana