24 novembro 2008

Testemunho: Escola Superior

Como é evidente, sou mais um verdinho. Aliás, sou verdinho desde 1995, numa Escola Superior. Pois é ! Professor universitário desde 1995, a recibo verde.

Quando comecei a dar aulas nesta escola, assinei um contracto válido por um ano e renovável por períodos iguais. Aí desempenhei todas as funções e cumpri com todas as obrigações inerentes a qualquer professor. Horários, reuniões fora do meu horário, acumulação de funções, etc.

Mas para que se veja até onde pode ir o absurdo de toda esta forma de contratação, nesta escola, se um professor com recibo verde faltar, chegar atrasado e mesmo apresentando justificação, todo esse tempo é descontado do já reduzido ordenado. Este controle é feito com relógio de ponto que temos.

Ordenado este, que ao longo de grande parte deste período de 12 anos, era depositado na minha conta e com a designação, por eles utilizada de "pagamento de ordenado". Engraçado, não sou empregado da casa, apenas presto um serviço esporádico, mas recebo ordenado.

Então se sempre soube que isto era uma irregularidade, porque nada fiz? Pois é! O mais triste é que fiz! Todos os anos apresentava à direcção da escola, um pedido para que fosse alterada a minha situação, mas a resposta era sempre a mesma – não pode ser, não temos condições.

Ok, podia ter procurado outro emprego e ter fugido desta situação. Certo! Mas quando se adora aquilo que se faz, tornasse mais difícil de procurar outras alternativas. No entanto, procurei, e no ano de 2005/2006, tive oportunidade de trabalhar paralelamente, numa outra instituição. Aqui fui tratado como um verdadeiro ser humano. Existia! Tinha contrato e descontava tudo, recebia subsídio de refeição e transporte, para além dos, por mim nunca conhecidos, subsídios de férias e Natal.

Depois também nada fiz pelas mesmas razões que grande parte de todos nós. Receio de perder o emprego. Medo de ser mandado para casa com uma mão à frente e outra atrás. Para alem disso, neste tempo todo, sempre tive esperança que um dia esta situação se alterasse, mas infelizmente isso não veio a acontecer.

Esta escola passou para as mãos de outra instituição, e esta nova administração demonstrou bem qual o seu ideal no que diz respeito ao contrato de trabalho – o maior número de professores a recibo verde.

É de lamentar que todos nós sejamos tratados desta forma, como nada valendo, mas pior penso ser a impunidade dos governos. Mas também vendo bem, o que pode um governo fazer para combater esta situação, quando o próprio é o pior exemplo?

Deve ser muito bom estar sentadinho num grande cadeirão, ter um bom ordenado para poder pagar a prestação da casa e tudo mais que se queira.

Deve ser maravilhoso poder deitar a cabeça na almofada e dormir tranquilo, pois nada se deve à Segurança Social e porque no dia da reforma sabemos que teremos o nosso dinheirinho todos os meses, ou simplesmente porque temos a garantia de que se tivermos o azar de ficar doentes, não passaremos fome.
Que vergonha de pais este, que tem grande parte da sua população escravizada, que fomenta a miséria e que deixa arrastar esta situação inqualificável.

Como é possível permitir, por exemplo, que uma escola enriqueça à custa do trabalho e empenho de todos aqueles que estão na mesma situação que eu, que sempre ouviram dizer que não há possibilidade de passar para o quadro?

Se a memória não me falha, nós formamos profissionais, e no entanto somos o quê?

5 comentários:

Anónimo disse...

REMOS DEFINITVAMENTE QUE SAIR PARA AS RUAS!!!!!!URGENTEMENTE!!!!!!

O Manuel do Jornalismo disse...

Pelo andar da carruagem, as coisas vão é piorar. Detesto ser o profeta da desgraça, mas é isto que antevejo. Os recibos verdes deviam existir apenas em duas situações: por opção do trabalhador e no caso de substituição temporária de trabalhadores de baixa. Mas se metade da população está a recibo verde, com o claro desrespeito que isso acarreta e a distinção de tratamento face às pessoas que estão no quadro, uma simples manif não chega.


O exemplo que vou citar não será qualquer sugestão, mas veja-se por exemplo as lutas estudantis em Itália. Há desacatos à séria às portas da universidades entre polícia e estudantes. Dentro das universidades, as aulas são aproveitadas para concertar medidas de protesto, entre professores e alunos. Em Portugal, quem ousaria ir além do cartaz e do megafone? O problema, julgo eu, é que a maioria tem medo demais. E não é uma crítica, já que também eu quero fazer qualquer coisa e nada faço.

Goma disse...

Nunca pensei que isto fosse possível, na minha ingenuidade. Este país precisa de mudar. As pessoas não são objectos para adquirir capital. Se o capitalismo falhar, será que os que mandam começam a perceber as coisas?

Anónimo disse...

É tudo uma questão educacional.
Quem tem poder foi educado para ser chico esperto e sugar o máximo do pobrezinho e pobrezinho foi educado para se habituar e viver no desenrasca. É a nossa cultura e se não for a geração que agora tem 30 anos e para trás desta, não são os putos mais novos mimados com playstations e internet que vão fazer algo.
Lamentável mas a verdade, é que sendo eu um recibo verde desde sempre, não possuo forças para lutar contra isso sozinha, mas sei que a nação também não tem vontade de o fazer, como bem dizes, o microfone e o cartaz não chega.
Não fazemos honra aos nosso pais que foram para a rua no dia 25 de Abril lutar pela nossa liberdade.
É triste que a lamentação seja a única arma que usemos à espera que alguém tenha pena de nós.

Anónimo disse...

O único problema dos falsos recibos verdes é a ausência de fiscalização.

Não é possível mudar a mentalidade dos empresários que poupam com os "verdinhos".

Canalizem-se os protestos sob a forma de denúncias a quem devia fiscalizar condições de trabalho.

Bastava o mesmo zelo que é dedicado a bloquear leite chinês ou óleo ucraniano que esta situação desaparecia em seis meses.

Não ponham é os inspectores a recibinho!