25 novembro 2007

A Arquitectura e o FERVE no Se7e

Nuances: os lugares da arquitectura

Precário. Precariedade. Palavras descobertas, ditas e sentidas por muitos em Portugal, por mais de um milhão de pessoas, trabalhadores precários, sem vínculo laboral, sem protecções sociais, desprotegidas pelo Estado. Transversal a toda a sociedade, o fenómeno da precariedade atinge diferentes actividades e faixas etárias. Escondida, ignorada e camuflada, esta realidade existe e interfere com todos nós, directa ou indirectamente, provocando graves consequências para o futuro e asfixiando a economia e o País.

Desde a publicação do Estatuto da Ordem dos Arquitectos, em 1998, a instituição representativa dos arquitectos tem vindo a ganhar visibilidade e a ocupar um espaço próprio de intervenção pública com acções várias no domínio político, disciplinar e cultural. Neste caso, interessa sublinhar que uma das principais atribuições da Ordem consiste em “contribuir para a defesa e promoção da arquitectura e zelar pela função social, dignidade e prestígio da profissão de arquitecto”. Nesse sentido, na sua agenda política, a Ordem concentrou esforços na promoção da petição popular «Direito à Arquitectura» entregue na Assembleia da República e que reuniu mais de 35 mil assinaturas a favor da revogação do decreto-lei 73/73.

Brevemente, uma nova direcção da Ordem dos Arquitectos irá tomar posse. Neste momento, uma questão se coloca – perante o cenário de precariedade que tem invadido os escritórios de arquitectura, quem zela pela dignidade da profissão de arquitecto? Sabemos que a Ordem não é um sindicato e que o mercado é livre. No entanto, se a Ordem se demite desta responsabilidade, deve então assumir o problema e contribuir para a sua resolução. Entretanto, a pergunta fica sem resposta.

Em dez anos, o número de arquitectos duplicou para 16 mil inscritos, significando que mais de metade tem menos de 35 anos. Aos recém-licenciados espera-lhes um perverso estágio de nove meses de admissão à Ordem em que a remuneração não é obrigatória, factor que vem desequilibrar o mercado de trabalho, desincentivando muitos escritórios a investirem na manutenção dos seus colaboradores. Portanto, esta “novíssima geração” de arquitectos tem hoje um desafio pela frente – a dignificação do seu trabalho.

Em reacção ao trabalho precário, gerou-se na Internet uma dinâmica de acção política inédita em Portugal. João Pacheco, jornalista, 26 anos, Prémio Gazeta Revelação 2006 é um dos fundadores do movimento Precários Inflexíveis. Devido ao discurso proferido na entrega do prémio Gazeta perante o Presidente da República, tornou-se um “ícone passageiro da luta anti-precariedade”. Numa reportagem de Sarah Adamopoulos, publicada no JN (11.11.2007), João Pacheco descreve este fenómeno: “Vejo isto como uma possibilidade de pressão, tanto junto dos partidos políticos como junto das empresas. É preciso que ponham a mão na consciência [...]. O País não pode indefinidamente alimentar uma situação de instabilidade e exclusão social como aquela em que vivemos.”

O FERVE, blogue de um movimento cívico que tem como objectivo acabar com o uso abusivo de recibos verdes como forma de ‘vínculo’ laboral, tem desenvolvido um projecto que cresce de forma consistente. Criando um espaço de encontro e de partilha de experiências, o blogue ganhou uma dimensão surpreendente. Actualmente, encontra-se a promover uma campanha de recolha de assinaturas contra os falsos recibos verdes para apresentar uma petição na Assembleia da República no início de 2008.

Precário. Precariedade. O precário olha-se ao espelho. Toma consciência da sua massa. A precariedade vai ganhando contornos. Somos todos culpados. Somos todos precários.

Pedro Baía Arquitecto

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