11 junho 2007

Testemunho: A arquitecta grávida

Sou arquitecta e tenho 30 anos. Arquitectos ha muitos, principalmente a recibos verdes, neste país que é o 2º da união europeia que mais arquitectos per capita. Ou seja, arquitectos desempregados, explorados e outros que acabam por desenvolver actividades profissionais que em nada têm a haver com a sua formação.

Comei a trabalhar há 9 anos num atelier de Arquitectura onde ainda trabalho. Foi uma oportunidade única pois trata-se de um atelier reconhecido e não hesitei um segundo quando na entrevista me disseram: "ok, ficas mas agora tens de de ir tratar do livro de recibos verdes às finanças".

E assim foi, até hoje. Portanto 9 anos a passar recibos para a mesma entidade, a picar ponto, a ganhar à hora e a pagar a minha própria segurança social e impostos. A segurança social detectou esta situação perfeitamente ilegal (nota-se que somos perto de 20 pessoas nesta situação só neste atelier) e preparou uma inspecção supresa há cerca de 3 anos no local de trabalho. Essa inciativa foi aplaudida por todos nós mas até hoje não foi tomada qualquer medida no sentido de regularizar a nossa situação (cheira-nos que o caso foi "devidamente" abafado). Ou seja, mais uma vez o Estado não nos protegeu.

E entretanto vão entrando estagiários, uns ficam, outros vão-se embora mas muitos são despedidos de um dia para o outro sem qualquer indeminização.

De repente anuncei (com muito medo) que estava grávida. A situação foi aceite, não fui despedida e trabalhei até ao fim da gravidez com mais 20kg em cima e muito cansada. Os arquitectos, em geral, têm horários regulares de trabalho excepto quando se aproximam prazos de concursos ou outras entregas, o que nos obriga a trabalhar serões, fins de semana e por vezes fazer directas. Note-se que isto não se alterou por eu me encontrar grávida e estive de estar "muito disponível".

Tirei uma licença de 3 meses "a ferros" após o parto (que foi complicado) mas uma semana e meia após o nascimento do bebé já me ligavam diariamente perguntando se poderia trabalhar pois havia muito trabalho para fazer! Não o fiz pois o meu filho precisava muito de mim (era um recém-nascido!!) mas não recebi um único cêntimo... após 9 anos de muitos benefícios fiscais e produtivos para a empresa!

Voltei ao trabalho cheia de dívidas e sem quaisquer garantias de que amanhã ainda aqui estarei, deixei o meu filho ainda muito pequenino numa ama e confesso que entro numa ansiedade brutal cada vez que tenho de anunciar que vou ao médico com a criança, receando que "alguém" se chateie de vez. Noto no entanto que não há qualquer problema em dispensar toda a gente mais cedo para vermos os jogos da selecção!

A noção que tenho é que o Estado não se preocupa em defender as "falsas" mães independentes e, por consequência, os direitos dos seus filhos, futuros cidadãos deste país. Todos os dias temo ser despedida sem direito a subsídio de emprego e com um bebé para criar. Trata-se de um clima de terror protegido pelo pelo poder.

O Estado já possui sistemas avançados de cruzamentos de dados (com os quais concordo) mas não consigo perceber como não detecta estas situações evidentes de pessoas que passam TODOS os meses recebidos verdes para a mesma entidade há anos e que já deveriam ter um contracto de trabalho e usufruir dos seus direitos!! Não detecta ou não se preocupa?...

Agora multipliquem toda esta situação por 2, visto que o pai também se encontra numa situação profissional frágil e, claro, a recibos verdes.

Como última nota gostaria de salientar que não conheço nenhum arquitecto que trabalhe por contracto a não ser que estejam associados a empresas de engenharia (onde muitas vezes desempenham funções nada criativas e não adequadas à sua formação) ou funcionários públicos. Nesta última situação conheço alguns que trabalham na Câmara Municipal de Lisboa onde, curiosamente, todo o software que utilizam no local de trabalho é ilegal (pirata).
Anónima

2 comentários:

ATG disse...

Olá. Sou advogado estagiário e tive acesso ao vosso blogue através do Metro.
Creio que seria interessante fazerem referência aos diversos casos em que estamos perante um contrato de trabalho, mas o trabalhador tem prestação de serviços.
Segundo a lei e segundo a jurisprudência, quando um trabalhador esteja a recibos verdes, numa situação que deva constituir um contrato de trabalho, a situação passa a ser considerada como tal, sendo devidos aos trabalhadores todos os créditos laborais em atraso e daquele momento em diante.
Se quiserem contar com a minha colaboração, é favor enviarem e-mail para o e-mail do meu perfil.

http://barvelho.blogspot.com

tostamista disse...

Pois, já ouvi dizer que sim. Mas quem é que tem coragem de tomar medidas sabendo que vai perder o emprego (precário) que tem?