24 abril 2007

Testemunho

Trabalhei para três empresas sob o famoso regime dos recibos verdes. Actualmente, aos 31 anos, finalmente, consegui o tão almejado contrato de trabalho com horários dignos e direitos inerentes.

A primeira empresa era um gabinete de psicologia. Trabalhava como secretária, atendendo ao telefone, marcando consultas, passando relatórios a limpo e ainda ajudava nos testes psicotécnicos aos utentes. Quando se tratava de orientações vocacionais, muitas vezes, ficava lá até às tantas. Entretanto, o psicólogo ia à vida dele: ou dar umas aulas na faculdade, ou dar umas consultas no hospital. Era um part-time. Nos recibos verdes, eu, trabalhadora supostamente independente, apontava a fartura de 250€ por mês.

Era o primeiro ano, portanto estava isenta de descontos para a Segurança Social. Trabalhei cerca de ano e meio nessa empresa, aquando os meus estudos na faculdade. Em seguida, fui dispensada porque tive a infelicidade de me envolver com uma pessoa indesejável que vinha, muitas vezes, esperar-me à porta do emprego. A entidade patronal (pois, eu tinha entidade patronal, apesar de os recibos verdes alegarem o contrário) dispensou os meus serviços com um "tenho muita pena mas...".

Encontrei-me numa situação miserável, com escassos recursos económicos. Umas assistentes sociais ajudaram-me na obtenção de alojamento e bolsa de estudo para terminar o curso na Faculdade. Após ter visto a face negra do mundo, agarrei-me - como se costuma dizer - aos estudos com unhas e dentes, com a esperança de um futuro melhor.

Finalmente, com um canudo na mão, tinha que arranjar emprego. Haveria melhores perspectivas agora que era "doutora"? Não! Procurei emprego pelos classificados do JN, já que no centro de emprego nos chamam para reuniões balsâmicas, só para termos a impressão de que estão realmente a fazer algo por nós, os novos desempregados de luxo.

Um jornal telefona-me! Meu Deus, nunca sonhara com tal coisa: jornalista, famosa, no mundo dos grandes! Aceitei logo. Recibos verdes? Aceito, aceito, nunca se sabe o dia de amanhã! Aliás, os familiares ingénuos avançavam: "Vai, vai. Se fores e trabalhares bem, dão-te o contrato. E vais ver que consegues porque escreves bem".

Segura das minhas capacidades, vento em popa, trabalhei que nem uma burra, que nem uma escrava, trabalhando com uma gripe do caneco, levantando-me às 5h da manhã, voltando a casa às 22h. Pedia, rogava à editora do departamento comercial do jornal "O Primeiro de Janeiro" para me conceder um pequenino dia de folga para tratar de coisas importantíssimas, a Segurança Social ou uma consulta no médico. Um dia de folga era arrancado a ferros, sem contar que trabalhava frequentemente aos Sábados ou Domingos, sem me pagarem mais por isso. Ao cabo de 6 meses - e, na altura, eu já era uma boa veterana para aquele departamento - dispensaram os meus serviços sem qualquer tipo de explicação. Perguntei, como faria qualquer pessoa digne que se respeite, por que razão me dispensavam. A resposta foi uma resposta ao lado, como se diz habitualmente: "Sabes, quando se está a recibos verdes, isto é de prever. Não é contrato". Muito obrigada. Sou tudo, menos burra.

Logo a seguir, uma empresa, a editora Porto de Sempre, soube que eu ia sair do jornal. Telefonaram-me se queria ir trabalhar para eles. O patrão avisou logo que se tratava de uma experiência de um mês. Era para fazer como no jornal, entrevistas, textos, a ver se pegava. Eu não estava em condições de recusar. Aceitei de imediato. A experiência revelou-se um fiasco total. Ninguém queria pagar entrevistas. Queriam somente os logótipos nos guias turísticos. A treta das entrevistas pagas só funcionava mesmo no jornal. Eu via as coisas mal paradas, mas ninguém me dizia nada. Ainda pensei que ficaria... por escrever bem. Pois... No dia 31, o patrão convoca-me para me anunciar que dispensava os meus preciosíssimos serviços. Ainda acrescentou que talvez me telefonasse para tentarem de novo. Que gentileza. É o que se chama "saber viver".

E desta, meus caros leitores, não me safei porque não arranjei mais nada, nem sequer a recibo verde. Fui trabalhar aos fins-de-semana para um café, perto da Câmara Municipal do Porto. Não que a vida é dura, hoje em dia, para uma licenciada em letras.
Aguentei um mês nessa situação. Voltei aos anúncios no JN e consegui um emprego com contrato, um contrato daqueles reais, palpáveis, sonhados, desejados. Quando o assinei, nem queria acreditar.

Costuma-se dizer que a esperança é a última a morrer, mas digam lá se não tenho razão para sair escaldada de uma situação destas? Ainda acrescento que devido a não poder sair do jornal - que aquilo era um autêntico regime militantista - das poucas vezes que fui à Segurança Social, não pude descontar devido aos atrasos administrativos habituais "depois dizemos", "depois", "depois". Ainda estou para ver o que me vai cair em cima, eu, com contrato, sim, mas a ganhar o salário mínimo nacional.

Como é bom viver em Portugal!


Anónima

1 comentário:

Anónimo disse...

hip, hip, hurra!!!