Com 33 anos, Pedro Rodrigues trabalha a prazo num dos principais jornais do país e está bem consciente da quantidade de anúncios "precisa-se" que pedem gente com menos de 35 de idade. Cada vez mais próximo da fasquia perigosa das pessoas demasiado novas na profissão e demasiado velhas para começar de novo, é só um entre os mais de milhão e meio de portugueses que trabalham na corda bamba, com contratos a prazo na versão mais simpática ou simplesmente a recibo verde (as mais das vezes, "falso") no pior cenário. Com o passar dos anos, a precariedade tornou-se rotina para os mais jovens e a angústia começa na universidade. Em breve chegará ao Parlamento, se o Ferve, cada vez mais Fartos d'Estes Recibos Verdes, reunir o apoio necessário num abaixo-assinado já a circular.
Pedro Rodrigues é jornalista, com formação em música mas sem perspectivas de emprego além de Janeiro, quando termina o contrato. Rui Vieira, formado em Letras e sindicalista, trabalhava numa telecomunicadora por via de uma empresa de trabalho temporário e aguarda no desemprego por uma decisão judicial que o integre nos quadros da firma onde sempre trabalhou. Ambos pertencem ao Precários Inflexíveis (PI), um movimento de trabalhadores à vista que quer agregar outros "grupos de alerta", disse Pedro Rodrigues ao JN.
"Hoje sabemos que a precariedade veio para ficar e crescer", acrescentou Rui Vieira, cujo subsídio de desemprego é uma raridade neste mundo. Rui foi eleito delegado sindical mal cumpriu três anos de contrato e passou aos quadros da empresa de trabalho temporário. Mas a actividade do sindicato não o satisfazia. "Aderi aos PI porque achei o sindicalismo muito fechado em si próprio, centrado na negociação colectiva. O discurso sindical de há 20 anos não se encaixa na realidade actual", afirmou.
Ainda assim, a própria CGTP nomeou 2007 como o ano de luta contra a precariedade, em mais um passo do "despertar de consciências", como lhe chama Rui Vieira, que tem multiplicado os movimentos cívicos. A Plataforma dos Intermitentes, a Plateia e a Associação dos Bolseiros de Investigação são só três exemplos de organizações que pedem o fim dos contratos a prazo para empregos duradouros e dos recibos verdes quando está em causa trabalho dependente; ou os blogues, como o Vidas Precárias, o Exige Arquitectura ou o Mind This GAP, o Cuidado com os Graduados que Abandonam Portugal e as histórias de quem procura fora do país uma oportunidade melhor.
A ideia para este site partiu de Maria Neiva, arquitecta a viver em Nova Iorque, durante uma conversa com a mãe, que lera num jornal "on line" que alguém do Governo se admirava por cada vez mais licenciados abandonarem o pais". E o que terá levado Maria a ir para os Estados Unidos? "Aqui, as empresas investem nas pessoas que contratam, de modo a mantê-las ao serviço". E isso não se encontra em Portugal? Há quem diga que "quem sai para procurar vida melhor noutro lado, não quer pegar o touro pelos cornos... Mas o touro em Portugal já nem cornos tem..."
Até em Medicina...
Trabalho sim, mas com dignidade, pensam os universitários, que passam à prática com uma série de movimentos próprios de alerta sobre o instável mundo do trabalho. Um dos mais recentes será o de Medicina, o Salta. Não surgiu por causa da precariedade, tanto que Diana Póvoas (uma das líderes) reconhece não ser a norma na área, mas não lhe passa ao lado. "Com as recentes mudanças na política de saúde, as garantias já não são as mesmas. Ser médico não dá a mesma estabilidade", disse.
O Salta não é o único Agronomia tem o Move e Ciências criou o Muda; Letras conta com o Manifesto, o Técnico com o Mista e o ISCTE viu surgir o Grupo d'Acção Estudantil. Em seu nome fala Filipa Gonçalves, consciente de tantos estudantes que saem do instituto directamente para "call centers" e empresas de trabalho temporário. "Hoje, um jovem tem que se submeter à precariedade ou ao desemprego, sobretudo quando vêm das ciências sociais. São os mais receptivos à nossa mensagem", disse. Por isso, "se arranjasse um emprego na minha área, sociologia, ainda que precário, já ficava contente".
Uma questão de perspectiva
A perspectiva muda consoante o lugar ocupado na escala da segurança. Um estudante quer trabalho, ainda que precário; quem está a recibos verdes pede a maior segurança de um contrato a prazo; e um contratado reclama a possibilidade de fazer planos a mais do que um ano de vista.
Como Ruben Almeida, enfermeiro há quatro anos no hospital psiquiátrico Magalhães Lemos, no Porto, com contratos sucessivos de três meses. Ao longo deste tempo, recebeu propostas de clínicas privadas, para contratos a prazo, mas não aceitou nenhuma. "Apostei quatro anos neste hospital, na área da geriatria e demência, que me interessa muito. Recomeçar agora seria apagar o quadro e escrever de novo". Por isso, espera ser aprovado num concurso para contrato a um ano. "Quero acreditar que no final de 2008 venha um contrato estável, mas enquanto não tiver responsabilidades" (mulher ou filhos) "deixo-me estar". "Às vezes tenho medo de me ter acomodado", confessa. As prestações ao banco da casa comprada com a ajuda de alguns part-time e dos pais também não ajuda a voltar ao início noutro sítio qualquer, nem sequer em Vinhais, de onde saiu para estudar no Porto.
A motivação de Helga Marques, psicóloga já inserida nos quadros de uma instituição sem fins lucrativos envolvida no Novas Oportunidades, é diferente. "Gosto mesmo do que faço. Se assim não fosse, talvez já não trabalhasse lá". Helga começou como precária mas hoje tem o que se chama um contrato seguro, sem termo certo. Apesar disso, sente-se tudo menos segura. "Dependemos de financiamento do Fundo Social Europeu, que nem sempre chega a horas". O resultado são salários pagos "quando calha", com atrasos que chegam aos vários meses. Outra forma de precariedade.
Nem um destes trabalhadores tem família própria e ter filhos nestas circunstâncias seria até "irresponsável", na opinião de Carlos, fisioterapeuta desempregado, cansado de só receber 250 euros, depois de todos os descontos implicados num recibo verde. Agora espera ser admitido num "call center", onde param cada vez mais os jovens a quem o país tanto se esforça por dar uma formação superior.
Parlamento a "ferver"
Será um dos maiores grupos contra a instabilidade incontornável para a esmagadora maioria dos jovens e começou no Porto. O Ferve surgiu de conversas e troca de mails entre dois amigos, Cristina Andrade e André Soares. "A dimensão que tomou surpreendeu-nos". O impacto na comunicação social, os debates organizados e a velocidade a que a informação circula no meio virtual trouxeram imensa gente ao grupo. "Um quinto dos trabalhadores estão a recibo verde e não vejo vontade política em a fiscalizar, porque o Governo é o primeiro a não ter a casa em ordem", disse Cristina Andrade. As autoridades não acolheram bem o projecto (a Inspecção do Trabalho, por exemplo, nem respondeu ao mail onde se davam a conhecer), mas não é por isso que Cristina e André deixarão de chamar a atenção de quem pode mudar o estado das coisas. "Vamos enviar o abaixo-assinado ao Parlamento". O documento já circula.
Bolseiros ou trabalhadores
Investigação científica é trabalho? Em Portugal, pode muito bem não ser para largos milhares de investigadores que vêem os seus esforços compensados por bolsas e não por salários. Incluindo muitos que até já passaram a fase do doutoramento e estão fora do normal percurso académico. É este o principal protesto da Associação dos Bolseiros de Investigação Científica (ABIC), adiantou Joana Marques, por entre os tubos de ensaio de um laboratório no Hospital de S. João, Porto. "Queremos trocar as bolsas por contratos de trabalho a termo", disse. "Eu trabalho, produzo investigação científica, mas não sou considerada trabalhadora. Porquê?", questiona.
Pedro Rodrigues é jornalista, com formação em música mas sem perspectivas de emprego além de Janeiro, quando termina o contrato. Rui Vieira, formado em Letras e sindicalista, trabalhava numa telecomunicadora por via de uma empresa de trabalho temporário e aguarda no desemprego por uma decisão judicial que o integre nos quadros da firma onde sempre trabalhou. Ambos pertencem ao Precários Inflexíveis (PI), um movimento de trabalhadores à vista que quer agregar outros "grupos de alerta", disse Pedro Rodrigues ao JN.
"Hoje sabemos que a precariedade veio para ficar e crescer", acrescentou Rui Vieira, cujo subsídio de desemprego é uma raridade neste mundo. Rui foi eleito delegado sindical mal cumpriu três anos de contrato e passou aos quadros da empresa de trabalho temporário. Mas a actividade do sindicato não o satisfazia. "Aderi aos PI porque achei o sindicalismo muito fechado em si próprio, centrado na negociação colectiva. O discurso sindical de há 20 anos não se encaixa na realidade actual", afirmou.
Ainda assim, a própria CGTP nomeou 2007 como o ano de luta contra a precariedade, em mais um passo do "despertar de consciências", como lhe chama Rui Vieira, que tem multiplicado os movimentos cívicos. A Plataforma dos Intermitentes, a Plateia e a Associação dos Bolseiros de Investigação são só três exemplos de organizações que pedem o fim dos contratos a prazo para empregos duradouros e dos recibos verdes quando está em causa trabalho dependente; ou os blogues, como o Vidas Precárias, o Exige Arquitectura ou o Mind This GAP, o Cuidado com os Graduados que Abandonam Portugal e as histórias de quem procura fora do país uma oportunidade melhor.
A ideia para este site partiu de Maria Neiva, arquitecta a viver em Nova Iorque, durante uma conversa com a mãe, que lera num jornal "on line" que alguém do Governo se admirava por cada vez mais licenciados abandonarem o pais". E o que terá levado Maria a ir para os Estados Unidos? "Aqui, as empresas investem nas pessoas que contratam, de modo a mantê-las ao serviço". E isso não se encontra em Portugal? Há quem diga que "quem sai para procurar vida melhor noutro lado, não quer pegar o touro pelos cornos... Mas o touro em Portugal já nem cornos tem..."
Até em Medicina...
Trabalho sim, mas com dignidade, pensam os universitários, que passam à prática com uma série de movimentos próprios de alerta sobre o instável mundo do trabalho. Um dos mais recentes será o de Medicina, o Salta. Não surgiu por causa da precariedade, tanto que Diana Póvoas (uma das líderes) reconhece não ser a norma na área, mas não lhe passa ao lado. "Com as recentes mudanças na política de saúde, as garantias já não são as mesmas. Ser médico não dá a mesma estabilidade", disse.
O Salta não é o único Agronomia tem o Move e Ciências criou o Muda; Letras conta com o Manifesto, o Técnico com o Mista e o ISCTE viu surgir o Grupo d'Acção Estudantil. Em seu nome fala Filipa Gonçalves, consciente de tantos estudantes que saem do instituto directamente para "call centers" e empresas de trabalho temporário. "Hoje, um jovem tem que se submeter à precariedade ou ao desemprego, sobretudo quando vêm das ciências sociais. São os mais receptivos à nossa mensagem", disse. Por isso, "se arranjasse um emprego na minha área, sociologia, ainda que precário, já ficava contente".
Uma questão de perspectiva
A perspectiva muda consoante o lugar ocupado na escala da segurança. Um estudante quer trabalho, ainda que precário; quem está a recibos verdes pede a maior segurança de um contrato a prazo; e um contratado reclama a possibilidade de fazer planos a mais do que um ano de vista.
Como Ruben Almeida, enfermeiro há quatro anos no hospital psiquiátrico Magalhães Lemos, no Porto, com contratos sucessivos de três meses. Ao longo deste tempo, recebeu propostas de clínicas privadas, para contratos a prazo, mas não aceitou nenhuma. "Apostei quatro anos neste hospital, na área da geriatria e demência, que me interessa muito. Recomeçar agora seria apagar o quadro e escrever de novo". Por isso, espera ser aprovado num concurso para contrato a um ano. "Quero acreditar que no final de 2008 venha um contrato estável, mas enquanto não tiver responsabilidades" (mulher ou filhos) "deixo-me estar". "Às vezes tenho medo de me ter acomodado", confessa. As prestações ao banco da casa comprada com a ajuda de alguns part-time e dos pais também não ajuda a voltar ao início noutro sítio qualquer, nem sequer em Vinhais, de onde saiu para estudar no Porto.
A motivação de Helga Marques, psicóloga já inserida nos quadros de uma instituição sem fins lucrativos envolvida no Novas Oportunidades, é diferente. "Gosto mesmo do que faço. Se assim não fosse, talvez já não trabalhasse lá". Helga começou como precária mas hoje tem o que se chama um contrato seguro, sem termo certo. Apesar disso, sente-se tudo menos segura. "Dependemos de financiamento do Fundo Social Europeu, que nem sempre chega a horas". O resultado são salários pagos "quando calha", com atrasos que chegam aos vários meses. Outra forma de precariedade.
Nem um destes trabalhadores tem família própria e ter filhos nestas circunstâncias seria até "irresponsável", na opinião de Carlos, fisioterapeuta desempregado, cansado de só receber 250 euros, depois de todos os descontos implicados num recibo verde. Agora espera ser admitido num "call center", onde param cada vez mais os jovens a quem o país tanto se esforça por dar uma formação superior.
Parlamento a "ferver"
Será um dos maiores grupos contra a instabilidade incontornável para a esmagadora maioria dos jovens e começou no Porto. O Ferve surgiu de conversas e troca de mails entre dois amigos, Cristina Andrade e André Soares. "A dimensão que tomou surpreendeu-nos". O impacto na comunicação social, os debates organizados e a velocidade a que a informação circula no meio virtual trouxeram imensa gente ao grupo. "Um quinto dos trabalhadores estão a recibo verde e não vejo vontade política em a fiscalizar, porque o Governo é o primeiro a não ter a casa em ordem", disse Cristina Andrade. As autoridades não acolheram bem o projecto (a Inspecção do Trabalho, por exemplo, nem respondeu ao mail onde se davam a conhecer), mas não é por isso que Cristina e André deixarão de chamar a atenção de quem pode mudar o estado das coisas. "Vamos enviar o abaixo-assinado ao Parlamento". O documento já circula.
Bolseiros ou trabalhadores
Investigação científica é trabalho? Em Portugal, pode muito bem não ser para largos milhares de investigadores que vêem os seus esforços compensados por bolsas e não por salários. Incluindo muitos que até já passaram a fase do doutoramento e estão fora do normal percurso académico. É este o principal protesto da Associação dos Bolseiros de Investigação Científica (ABIC), adiantou Joana Marques, por entre os tubos de ensaio de um laboratório no Hospital de S. João, Porto. "Queremos trocar as bolsas por contratos de trabalho a termo", disse. "Eu trabalho, produzo investigação científica, mas não sou considerada trabalhadora. Porquê?", questiona.
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