06 maio 2007

Testemunho




CENTROS NOVAS OPORTUNIDADES:
NOVAS OPORTUNIDADES PARA QUEM?


Em 2006, o Governo lançou a iniciativa “Novas Oportunidades”, destinada a promover o aumento do nível de literacia da população portuguesa, para o que tem sido implementada uma rede nacional de Centros Novas Oportunidades que, neste momento, já conta com 269 Centros. Desde há poucos dias, começámos a ver diversos spots publicitários na televisão, nos jornais e em muppies espalhados pelas nossas cidades, parte integrante da estratégia de divulgação da iniciativa.


A medida, aparentemente, é positiva, não havendo nada a opor, muito pelo contrário: frequentemente ouvimos nos meios de comunicação que Portugal está na “cauda” da Europa no que respeita a níveis de escolaridade, como no que respeita a muitos outros aspectos também, sendo necessário alterar esse estado de coisas. Contudo, é necessário que o país saiba, e em particular os/as utentes dos Centros Novas Oportunidades, a que custo está essa medida a ser posta em prática.

É que, contraditoriamente, começa a parecer que, neste país, ter mais estudos é um defeito. Senão, reparemos: os Centros Novas Oportunidades destinam-se a adultos/as que não tenham completado o ensino básico ou secundário mas, quem lá trabalha, são pessoas licenciadas, na sua esmagadora maioria em regime de prestação de serviços e com condições precárias de trabalho. Ou seja, são trabalhadores/as independentes e isto, dito assim, até parece muito bonito mas toda a gente sabe o que significa trabalhar a “recibo verde”: é não ter direito a subsídio de férias, nem a subsídio de Natal, ter de descontar para a Segurança Social e a qualquer momento poder ficar desempregado/a sem direito a subsídio de desemprego, o que para o Estado é óptimo: tem quem trabalhe e ponha em prática as medidas que por si vão sendo pomposamente anunciadas, sem praticamente ter custos nenhuns com esses/as profissionais, já que os fundos são comunitários.

Vou só dar dois exemplos da precariedade a que está sujeita a equipa de profissionais do Centro Novas Oportunidades onde trabalho. O primeiro diz respeito a uma situação já ocorrida em 2005, em que o nosso Centro, por falta de verbas, foi obrigado a reduzir a sua actividade para metade. Isto significou, durante três meses, passar a trabalhar apenas a meio tempo e, durante três meses, ganhar apenas meio salário. Assim, de um momento para o outro, como se a nossa vida pudesse ser cortada a meio. Sim, por que não? Durante três meses, é perfeitamente possível alguém passar a comer apenas metade do que comia até aí, ou pagar apenas meia renda de casa (de certeza que o/a senhorio/a vai entender), ou tomar banho dia sim, dia não, para gastar apenas metade da água habitualmente consumida por mês…

O segundo exemplo é mais recente. Há poucos dias, recebi a notícia de que a verba atribuída pelo Ministério da Educação ao nosso Centro para o ano de 2007 não é suficiente para cobrir todas as despesas envolvidas, pelo que o meu salário e o de uma colega (por sermos as únicas que actualmente trabalhamos a tempo inteiro e, por consequência, as que ganham mais) terá de ser cortado. E será cortado não em 5, 10, 20, 50 ou 100 euros mas sim em cerca de 200 euros mensais. Continuaremos a trabalhar exactamente o mesmo no que respeita a nr. de horas, quantidade e qualidade, simplesmente passaremos a ganhar menos 200 euros por mês. Chega a ser humilhante.

Acho que são escusados grandes comentários. Se eu não fosse uma mera prestadora de serviços, isto não seria possível. Mas, no “reino do recibo verde”, que pulula no nosso país, esta e outras situações, igualmente ou ainda mais graves, são possíveis.

Por isso, pergunto: além de se dar atenção, e muito bem, a quem, por diversos motivos, não concluiu o ensino básico ou secundário, e agora quer fazê-lo, não se deveria olhar também para quem está do outro lado, a quem trabalha para que tal objectivo possa ser alcançado, o de aumentar as habilitações da nossa população? Se eu não tivesse o 9º ano, ou o 12º, poderia candidatar-me a um Centro Novas Oportunidades mas, como tenho um curso superior, não posso. O Governo do meu país não se lembrou de criar nenhum programa que favoreça quem detém uma licenciatura, ou, pelo menos, de lhes permitir ter condições dignas de trabalho.

Ironicamente, o slogan da iniciativa Novas Oportunidades é “Aprender compensa”. Será que compensa mesmo? Compensa quem?


Andrea Henriques

1 comentário:

varna disse...

posso corrigir?

"(...) ter de descontar POR DOIS para a segurança social"!!!