As arremetidas contra o SNS movidas pelos sucessivos governos, por via do aumento das taxas moderadoras e da entrega a uma gestão privada de tal modo incompetente que, há não muito tempo, certo hospital quase teve de deixar de fazer cirurgias por falta de compressas, são complementadas com a precarização dos profissionais de saúde, designadamente dos médicos.
Um médico de clínica geral foi, em Maio de 2011, contratado para o Centro de Saúde de Fernão Magalhães - Extensão Adémia, em Coimbra. Diga-se de passagem que esse Centro de Saúde, que serve uma população de quase três mil pessoas, estava, até então, inteiramente desprovido de clínicos gerais. O suprir desta necessidade, flagrantemente ignorada, veio a ser feito de um modo duplamente errado:
- em primeiro lugar, ao referido médico foram confiados todos os 2800 doentes que acorrem ao centro de saúde supracitado, no que constitui a imposição de quase 200% do número máximo de pacientes que um médico de clínica geral e familiar pode ter a seu cargo, de acordo com a regulamentação legal do exercício da actividade médica no serviço público;
- em segundo lugar, neste lugar para o qual é manifesta a necessidade a título permanente de um profissional, e que, portanto, demanda por definição a produção de um contrato de trabalho, o médico foi, todavia, colocado com o estatuto de avençado, até 31 de Dezembro de 2011.
Com o ano novo, por algum motivo se inferiu na Administração Regional de Saúde (ARS) que a sanidade física ia ser coisa inexpugnável entre a população servida por esse Centro de Saúde.
Lastimavelmente, tal informação há-de ter sido deficientemente transmitida às populações, que se sentiram temerosas pela sua saúde e foram ao ponto de exigir a reintegração do referido médico!
Porque a luta é o caminho e só dela resultam as vitórias, a população utente do Centro de Saúde de Fernão Magalhães - Extensão Adémia insurgiu-se contra a demissão do seu médico, vergando a ARS e impondo-lhe a sua readmissão. Contudo, foi essa uma vitória incompleta: é que o regime contratual obtido em Fevereiro do ano corrente foi, novamente, a avença, e uma vez mais com término estabelecido para 31 de Dezembro de 2012.
A ARS brinca com a saúde de quase três mil pessoas!
O médico aufere 1190 euros de salário líquido mensal. A tabela salarial dos médicos de clínica geral demonstra que mesmo no escalão mais baixo o rendimento líquido não pode ser ser inferior a 1390,47 euros/mês. Não tem direito a férias e, porque nenhum dos contratos foi por período de tempo igual ou superior a um ano, tampouco tem direito a subsídio de desemprego.
Como escreve, acertadamente, a Ordem dos Médicos: «o Ministério da Saúde está a discriminar negativamente os jovens Médicos portugueses e a empurrá-los consciente e determinadamente para a emigração».
A precariedade espalha-se invadindo todos os domínios profissionais, impondo-se mesmo à saúde pública, mesmo aos direitos mais fundamentais e imprescritíveis.
A luta contra a precariedade no SNS não é apenas a já de si justíssima e vital acção popular em nome do trabalho condigno, do trabalho com direitos, do trabalho sem opressão.
É a luta sobretudo pela dignificação de uma estrutura de protecção social sem a qual a própria vida dos cidadãos está em cheque. Um SNS precário nos contratos que celebra é um SNS precário no serviço que fornece. E essa é uma situação inadmissível.
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