25 março 2010

Crónica de Ricardo Araújo Pereira na Visão


Acerca da repercussão política de rabos e recibos verdes

Esta pode ser a geração dos 500 euros porque quem lhe estabelece o ordenado é a geração rasca.

Um dia, num protesto contra a política educativa do Governo, um cidadão da minha idade resolveu avançar com um argumento de autoridade e mostrou o rabo à ministra. Não é, de todo, o pior e mais deselegante argumento que já vi esgrimir (se se pode dizer de um rabo que foi esgrimido) no âmbito de um debate político, mas ainda assim o gesto fez com que aquilo a que se chama "a minha geração" passasse a ser conhecida por "geração rasca". Nunca me queixei. Pelo menos no que me dizia respeito, o título pareceu-me adequado à minha personalidade, e não gosto de censurar ninguém por ser perspicaz. Hoje, a geração que entra no mercado de trabalho é conhecida por "geração dos 500 euros". O que definia a minha geração era o seu carácter; o que define esta é o seu salário. Na verdade, há uma hipótese inquietante: é possível que quem paga a esta geração seja a minha. Esta pode ser a geração dos 500 euros, porque quem lhe estabelece o ordenado é a geração rasca. Tudo aponta para isso: somos mais velhos do que eles, e portanto é lógico que tenhamos cargos de chefia quando eles saem da escola. E é próprio de um patrão rasca generalizar o pagamento de salários de 500 euros. Sobretudo, é improvável que a "geração rasca" e a "geração dos 500 euros" coincidam: quem é rasca, em princípio arranja sempre maneira de ganhar mais de 500 euros.

Como costuma dizer normalmente quem tem muito dinheiro, o dinheiro não é importante. Sempre me comoveu que as pessoas ricas tivessem a gentileza de partilhar connosco (logo elas, que são tantas vezes avessas a partilhar) uma ideia formada com conhecimento de causa: o dinheiro não traz felicidade. Essa é, no entanto, uma das características que eu mais aprecio no dinheiro: a felicidade é tão fugaz, tão frágil e, às vezes, tão imoral, que acaba por ser higiénico e nobre que o dinheiro não a traga. Para falar com franqueza, não conheço nada que traga felicidade. Mas - chamem-me sentimental - acho que o dinheiro não traz felicidade de uma maneira especial. Vendo bem, a minha geração teve bastante mais sorte do que esta: uma pessoa pode mudar o seu carácter, mas na esmagadora maioria das vezes não pode mudar o seu salário. É bem mais fácil deixar de mostrar o rabo do que passar a ganhar mais de 500 euros.

1 comentário:

Anónimo disse...

Saberá este senhor que tem como colega, de rádio. alguém que favorece e incentiva na sua empresa o trabalho verdinho e precário?