17 maio 2008

EXPRESSO: Novas Oportunidades Precárias e Falidas

Falsos recibos verdes e vencimentos por pagar: é a dura realidade dos formadores contratados pelo Estado

O Programa Novas Oportunidades, uma iniciativa do Governo para aumentar a qualificação profissional, está a ser suportado por técnicos precários e, em alguns casos, por formadores com salários em atraso. As situações mais gritantes vivem-se a Norte, nas escolas EB 2/3, onde a formação se faz com material dos próprios formadores.

Nos Centros de Novas Oportunidades (CNO), os técnicos de Reclassificação, Validação e Certificação de Competências (RVCC), na maioria jovens licenciados, assinam continuamente - alguns há cinco anos - contratos de prestação de serviço, “falsos recibos verdes”, garantem. Recentemente foram informados que os contratos vão ser renovados. Há CNO prestes a abrir, cujos técnicos são “contratados a recibo verde”, confirmou uma das recém-contratadas.

O ambiente - quer nos CNO, da responsabilidade do Instituto de Emprego e Formação Profissional, quer nos Cursos de Educação e Formação (CEF), da responsabilidade do Ministério da Educação - é de “ruptura”, na opinião dos profissionais que ali trabalham. Ainda assim todos recusam ser identificados com “receio de retaliação”.

Carolina, nome fictício, é psicóloga e vai já no sexto contrato. Lamenta a sua situação e a de “mais de 200 colegas” nessas circunstâncias: “cumprimos sempre dois turnos. Entramos às 9h e saímos às 17, 18 horas ou, se iniciamos no turno da tarde, fazemos também o pós-laboral. Somos enquadrados numa equipa, reunimos diariamente, são-nos definidos objectivos, somos coordenados e até marcamos férias em função das necessidades do CNO, apesar de não serem pagas”. Carolina trabalha para o IEFP desde 2004 e recebe cerca de €600 ilíquidos por mês.

Nos CEF a situação contratual dos formadores também não é brilhante. Passam recibos verdes como se de empresas se tratasse, e no contrato há cláusulas que procuram legitimar os atrasos no pagamento do vencimento. Como se pode ler num dos contratos a que o Expresso teve acesso: “A retribuição - €20 hora acrescido de IVA - será paga (...) logo que haja disponibilidade de tesouraria”.

“Nós passamos recibo todos os meses, quer recebamos quer não, e pagamos IVA, muitas vezes sem ter recebido o vencimento”, garantia João (nome fictício), que dá formação há 10 anos. Das três escolas básicas onde dá aulas apenas uma tem os pagamentos regularizados. Nas restantes não recebe desde Dezembro. João vive uma situação complicada. “Quem me tem ajudado é a minha mulher. Há cinco meses que não meto dinheiro em casa. Se não fosse ela já tinha deixado de pagar prestações da casa”, diz. Garante que não seria o primeiro e conta o drama de uma colega na mesma situação, mas cujo marido está desempregado. “Já só tem dinheiro para a sopa e pouco mais. Com dois filhos já é o segundo mês que não paga o crédito à habitação. Devem-lhe mais de seis mil euros”, diz. João já esteve para parar de dar formação. “Mas nunca o fiz. Arriscava-me a que não me pagassem nem me contratassem para o ano. E, não queria deixar os alunos parados”, explica.


FORMAÇÃO SEM CONDIÇÕES

Há mesmo escolas onde se dá formação em hotelaria sem pratos, talheres ou copos, e de mecânica sem um único motor: “Como se pode explicar o que é uma correia de transmissão se não tiver nenhuma para mostrar? Como dar cursos a empregados de mesa sem copos ou garfos? Há pouco tempo cancelei uma visita de estudo por falta de verba. E ainda há os pagamentos aos próprios alunos, como os passes sociais, que nunca vieram”, diz. Para colmatar as falhas, tem levado peças do faqueiro de sua casa, fruta e outros objectos essenciais ao curso. João acaba de pagar IVA sobre dinheiro que ainda não recebeu.

Para Rui (nome falso), que não recebe há cinco meses, a situação é esquizofrénica. “Tenho pago multas por falta de pagamento de IVA e Segurança Social (SS). Não recebo desde Janeiro. Como posso pagar a tempo e horas à SS, ou o IVA relativo a recibos passados, mas cujo dinheiro não recebi? O Estado multa-me por não me pagar”, ironiza. Formador na área de hotelaria, faz mais de 200 km por semana entre as escolas onde dá formação. “Neste momento já escolhemos as escolas, não pela qualidade do ensino ou condições de trabalho, mas porque pagam a tempo e horas. Como é que eu posso ensinar bem se entro numa aula a saber que não tenho dinheiro para o gasóleo que me permite voltar para casa, nem o suficiente para almoçar?”.

Sandra (nome fictício) diz que é normal haver formações financiadas com seis ou sete meses sem pagar. Há poucos anos aceitou umas dezenas de horas de formação em Setúbal. Mudou-se durante três meses para a cidade e ficou alojada numa pensão. Recebeu nove meses depois. Até lá contou com a ajuda dos pais e de algum dinheiro das suas poupanças pessoais. “É o que se chama pagar para trabalhar”, conta. “Só aceitamos porque sabemos que, mais cedo ou mais tarde, acabam por pagar”, diz.

O Bloco de Esquerda vai questionar o ministro Vieira da Silva sobre esta matéria e, sustenta: “Estes casos põem em causa a autoridade do Executivo no combate aos falsos recibos verdes”.

Contactado pelo Expresso, Rui Nunes, assessor da ministra da Educação admitiu o atraso: “Houve de facto um atraso no pagamento aos formadores, mas as verbas já foram desbloqueadas pelo POPH e para a semana o dinheiro estará na conta dos formadores”. Quanto à falta de material de formação o Ministério promete averiguar. Clara Correia, responsável pela Agência Nacional de Qualificação, admite a existência de falsos recibos verdes nos CNO e garante: “Estamos, com o Ministério do Trabalho, a avaliar a situação e esses casos vão ser corrigidos”.


200: é o número aproximado de técnicos de Reclassificação, Validação e Certificação de Competências que se encontram vinculados ao IEFP através de contratos de prestação de serviços

TRÊS CASOS

Carolina (nome fictício) Psicóloga, técnica de RVCC, está a recibos verdes desde 2004 e recebe 600 euros por mês

João (nome fictício) Formador do CEF há 10 anos, a recibo verde, não recebe desde Dezembro

Rui (nome fictício) Formador em hotelaria, não recebe desde Janeiro


Texto: Humberto Costa e Pedro Neves
Fotografia: Tiago Miranda

8 comentários:

Anónimo disse...

Também eu sou Profissional de RVCC há já 4 anos e continuo a passar recibos verdes todos os meses, tendo que vestir a camisola da instituição e com metas a cumprir todos os anos!!!!
Uma pequena correcção do vosso post (que como sempre é pertinente e toca no cerne da questão) o termo correcto é Reconhecimento, Validaçâo e Certificação de Competências (RVCC).
Bravo Ferve continuem com o excelente trabalho que têm feito! Penso que estamos a chegar a algum lado, pelo menos já se fala no assunto coisa que até há uns meses nem isso se verificava. Parabéns e a luta continua!

Anónimo disse...

Sou mais um dos muitos precários nas Novas Oportunidades. Acabo o Contrato de prestação de serviços( RECIBO VERDES ) em Junho. A srª Ministra disse que iriamos passar a contrato individual de trabalho.... vamos ver ...

Anónimo disse...

só uma correcção: não são "Técnicos de Reclassificação, Validação e Certificação de Competências", mas sim de "Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências".

Anónimo disse...

Infelizmente também faço parte desta estatística!!Fala-se em contratos para os Profissionais RVCC, ainda bem!!, mas e os formadores??? De facto é vergonhoso como os nosso ministros tratam aqueles que contribuem «arduamente», e «vestindo a camisola da instituição há vários anos»,para um Portugal mais qualificado!!!Contudo, não posso deixar de felicitar a FERVE por se lembrar de nós, haja alguém!!!

Anónimo disse...

Vergonha das vergonhas! Hoje é dia 27 de Junho a ainda não recebi Maio... e sei que não vou receber Junho. Já não tenho dinheiro para pagar a renda no mês de Julho... Mas a senhora ministra diz que é um atraso perfeitamente aceitável... não há palavras para descrever esta situação!

Anónimo disse...

e os admninistrativos? que ganham pouco mais de 400 euros, com horeario para cumprir, horas extra e tambem nao recebem a uns meses? e tem que dar a cara por tudo?

Anónimo disse...

mas nao se esqeçam que e 1 pau de dois bicos.e os formandos? sim ,iniciamos em maio ,agosto esta a acabar e nao se viu ainda 1 chavo.nos tambem temos casas e carros pra pagar e bocas pra alimentar.gostava que alguem me ilucida se se possivel,o porque do atraso nos pagamentos ?por exemplo no meu caso e colegas de curso ,diz se por ai ,,que o dinheiro ja esta em "caixa",mas que e necessario o "aval" de certa pessoa; diz se tambem que o dinheiro tinha ,ou tem que npassar pelas finanças,a fim de reter o pagamento a quem deva dinheiro ao estado.sinto que ha nas "novas oportunidades o jogo "do empurra"e ai de nos que "os burlados".

Anónimo disse...

Inaginem que por acaso passei por estes desabafos. Estamos em 2009 e aqui em Lamego continuamos também sem receber desde Janeiro Sou formanda de um curso Efa ns. Um abraço para todos e como alguém dizia "amanhã é um novo dia pode ser que o sol brilhe"