24 fevereiro 2012

OPINIÃO: A minha profissão: de “Aspas” em “aspas” até às “aspas” finais




Na minha profissão não há “trabalhadores”, chamamo-nos uns aos outros “colaboradores”. (assim ao jeito de “colaboracionistas”).

Na minha profissão também não há “patrões”, todos somos “colegas” e inscritos numa mesma instituição com o propósito de defender (os nossos) interesses.

Na minha profissão, o “patrão” é, quando muito, apenas um “coordenador”.

Na minha profissão a instituição que tem o propósito de defender (os nossos) interesses, defende antes os seus (deles) interesses, dos tais que, sendo nossos “colegas” e “coordenadores” do nosso trabalho, não se chamam afinal a si mesmos de “patrões”. Nem nós a eles chamamos. Na minha profissão, ninguém “se chama”.

Assim, na minha profissão também não há “sindicato”, apenas uma “ordem”, em que os “colaboradores” são quem menos ordena. Todos seremos iguais, mas há sempre alguém mais igual que tu.

Na minha profissão, a “ordem” cobra aos associados para trabalharem. Apesar de os respectivos cursos estarem reconhecidos, em qualquer situação só se “podem exercer os actos próprios da profissão” com as quotas em dia…Ou seja, pagando obrigatoriamente para se poder trabalhar. Esse pagamento é feito a quem “seria suposto” defender-nos…

Na minha profissão…

Na minha profissão ninguém é “empregado”, as pessoas “têm trabalho” ou “não têm trabalho”.
Na minha profissão também ninguém tem “contratos de trabalho”. A vida é um imenso livrinho de recibos verdes que se vão passando de mão em mão.

Na minha profissão também ninguém é ” despedido” afinal. Só se é ”despedido” no caso raro de algum dia se ter sido “admitido”. O adeus não é chorado nem indemnizado, apenas um simpático “não tenho mais trabalho para ti” ou um singelo “ como sabes, isto está mal, a crise e tudo isso…”

Na minha profissão…

Na minha profissão é tolerado ( e protegido ) o trabalho gratuito através da “figura” ( triste) que se chama estágio não - pago. Os estágios são uma “ espécie protegida ”, são considerados uma primeira oportunidade para quem sai das Universidades após cerca de 6 anos de estudo.

Na minha profissão, a “instituição para a qual pagamos para poder trabalhar”, anuncia no seu site de “emprego”, múltiplos anúncios quer de trabalho em geral “ a recibo”, quer de estágio. Empresas e gabinetes cada vez anunciam mais requererem estágios em que apenas pagam metade, já que o restante é pago pelo estado através do IEFP.  Diriam sempre que “não têm trabalho” se fosse para “trabalhar a sério” ou “empregar-se”, mas para um estagiário mal pago ou não pago de todo, há “sempre lugar para mais um”…que afinal não era nada, que” há muito que fazer” se forem essas as condições…

Na minha profissão ninguém é afinal “explorado”, estamos em crise, “ e mais vale assim do que não se trabalhar” (…e porquê?)

…Porque, na minha profissão, como ninguém é “empregado”, ninguém é também “desempregado” e portanto, na minha profissão ( em geral ) também  ninguém tem direito a “subsídio de desemprego”…porque na minha profissão não temos “contratos”, apenas “passamos recibos …(“..acho que já tinha dito esta”)…

E portanto ( continuando), ninguém se revolta ou contesta, com receio de poder ser ainda pior…e o pior é que é mesmo (pior)…E isso todos já percebemos esse “pior do pior”.

Na minha profissão ninguém se revolta, as pessoas emigram.

Peço desculpa. (É mentira!) …Na minha profissão ninguém “emigra”. Emigrar é coisa de pobres. Na minha profissão, as pessoas “estão a trabalhar lá fora”, ou a “ empreender novas experiências noutros países”.

Na minha profissão…

Na minha profissão quem faz o grosso do trabalho, ganha sempre menos. (“ mas não é assim em todas as profissões? “De que se queixam, piegas? )

Na minha profissão, quem faz a menor parte do trabalho, assina em geral o Projecto de Arquitectura como “autor”. (“ mas não é assim em todas as profissões? “De que se queixam, piegas? )

A minha profissão tem coisas fantásticas:  Glamour, muita criatividade, vários prémios Pritzker entregues aos melhores profissionais.

A minha profissão, dizem…”está em crise”.“Com a crise”, quem antes  “apenas” explorava a tempo inteiro os seus  colaboradores através do recibo verde,  explora agora apenas de vez em quando… os mesmos ex-colaboradores ( entretanto despedidos por causa da crise…)…porque
 ( e ainda bem ) que apesar da enorme baixa de encomendas ( infelizmente real ) ainda há uns trabalhitos para acabar lá pelo gabinete…

Assim, a crise não é ainda ou sequer o triste fim da exploração, mas ainda mais exploração sobre exploração… só que agora os ex-colaboradores despedidos ( quase)  têm pena do “Arquitecto – coitado – que agora – com – a – crise – isto – está - mau – e – já – nem – ele – tem - trabalho – sequer – para – ele - apenas – sobras”…

Vou – lhe chamar agora “profissão” entre aspas.

Com tantos edifícios para reabilitar em Portugal, há ainda e cada vez mais Arquitectos convencidos “que a nossa única possibilidade é a emigração”, porque cá “não há trabalho”… Falta de cultura nossa, cívica e política, é o que é…

São milhares de edifícios para serem reabilitados em Projectos de arquitectura e Engenharia em potência, um imenso “mercado” a criar, dando trabalho a Engenheiros, Arquitectos, Operários da construção Civil…
E a vida será um amanhã que canta, “e o sol brilhará pra todos nós”! Na minha profissão…

Pedro Figueiredo - Arquitecto. 

2 comentários:

Leonor Areal disse...

nessa e noutras profissões, está na altura de dar o salto: se há trabalho que fazer, os trabalhadores devem unir-se para trabalhar sem patrão (sem aspas)- mas não como empresários unipessoais! por favor - juntos em cooperativas (bastam 5 para fazer uma cooperativa, que tem isenção de IRS e outros benefícios)

Anónimo disse...

Leonor Areal, onde posso saber mais sobre essa questão? Sou professora a recibos verdes, sem receber e "obrigada" a emitir recibos sem ser paga, juntamente com outros 30 colegas. Essa ideia de formar cooperativa interessa-me. Obrigada.
Gabriela